Quando John Lennon imaginou um mundo sem barreiras, interesses, fronteiras, religiões, nacionalismos, estava longe de perceber que num país poderia haver a concretização de um simples conceito batizado por “hygge”. Este pequeno vocábulo não tem tradução na nossa língua, mas acolhe toda a felicidade e conforto do reino escandinavo que o viu nascer.
Com efeito, no país mais feliz do mundo, no país de igualdade entre homens e mulheres, no país onde a chave da felicidade abre portas, podemos verificar que “hygge” (uga em português) é o aconchego necessário, onde todos procuram o equilíbrio, numa amabilidade consentida, nunca fingida, comprada ou calculada, investindo tempo, paciência e tolerância, criando uma atmosfera própria à simpatia. Aqui percebe-se que o estado de espírito para o qual se colabora deixa a sensação extremamente positiva nessa responsável prática quotidiana.
Para isso contribui um salário mínimo que ronda os 2.000 euros, um salário médio de cerca de 3.000 euros e um salário máximo que não chega aos 5.000. Uma reforma mínima condigna e uma reforma máxima onde o leque salarial é substancialmente reduzido, um sistema educativo 100% gratuito e de qualidade. O apoio à maternidade, paternidade e à terceira idade. A característica única do serviço de saúde gratuito, equitativo e universal, os baixíssimos índices de criminalidade e de corrupção, tendo tudo isto financiamento através de um IRS mensal, onde, sem qualquer fuga ao fisco, se define o tal contributo racional (entre os 34% e 50%) e assim se defende a identidade de um povo e a prática de uma justiça social inigualável. Apresento-vos desta forma o célebre reino da Dinamarca.
O revés da medalha é sobejamente público e notório.
A desigualdade na distribuição de rendimentos é fixada por indicador que diz que a concentração da riqueza na classe dominante é uma constante. Que o grau de pobreza (limiar dos 430 euros) é conhecido. Que os itens definidos pela União Europeia (dificuldade em pagar refeições, pagar contas fixas mensais, renda de casa ou prestação e pelo menos dinheiro suficiente para pagar uma semana de férias anual) é uma situação que mais de 25% da população não consegue fazer, sendo isto considerada uma privação material severa.
E se antes o risco de pobreza se situava nos 27% (mesmo com as políticas da geringonça) a mesma subiu para os 28%, percebendo que quanto maior é a desigualdade, maior é o risco de pobreza. Continuamos com os mais de dois milhões de pobres efetivos.
E nem sequer é preciso falar nos vencimentos da Áustria, Bélgica, França ou Luxemburgo, nem muito menos na nossa vizinha Espanha, que dos 800 euros em 2017 passou agora para um salário mínimo de 1.000 euros. Países como o Senegal, Kosovo, Congo, Nepal, Nigéria, Camarões, Costa do Marfim, Cuba, Lesoto, Etiópia ou Guiné-Bissau têm hoje um PIB per capita muito superior ao nosso.
Vêm aí as eleições. A aposta pode e deve ser substancialmente diferente, para melhor. Prometam o que for apenas possível concretizar. Não se esqueçam do salário mínimo e da reforma mínima, nem tão pouco do salário máximo e da reforma máxima, em que o leque salarial não seja igual ou sequer parecido ao de hoje: milhares de euros. Olhem pró miserável estado da educação e da saúde. Reparem nos processos de criminalidade que sistematicamente vêm a público, para os vergonhosos procedimentos de gestores, políticos e para o comportamento escandaloso dos célebres homens de colarinho branco. Fixem-se na reforma de todo o sistema, a começar desde logo por aquela onde Vªs Senhorias são intervenientes diretos.
Se no tal reino nórdico, com seis milhões de habitantes, a felicidade é possível e as estatísticas confirmam que, pelo décimo ano consecutivo, continua a ser o país menos corrupto do mundo, se todos quisermos, se houver vontade e determinação, também nós o podemos conseguir, bastando, para tanto, a mudança de paradigma, pois desta forma fico com a sensação que o bonito sonho de Lennon possa vir a ser a tal utopia concretizável:
Imagine as pessoas vivendo o presente num mundo que seja um só… Sim, Imagine.