Histórias pandémicas

Escrito por Albino Bárbara

A história diz-nos que uma crise sanitária traz indubitavelmente uma crise política com reflexos económico-financeiros. A peste negra, no século XIV, fez a reformulação do feudalismo e a gripe espanhola teve importante influência durante e pós Iª Grande Guerra.
Numa pandemia não se está só. O bichinho não conhece nada nem ninguém. Não respeita fronteiras e é por isso que temos e devemos exigir aos decisores nacionais e mundiais mais verdade e menos propaganda sobre este vírus, por mais matemática, científica ou artística, que a política seja.
O país e o mundo já não são os mesmos e, aceitando a retórica da verdade, somos obrigados a perguntar se existe o esforço essencial que mantenha o escrúpulo necessário de tudo aquilo que acontece no nosso quotidiano, mesmo quando se atinge a irracionalidade de quem não poupa em pequenos momentos de prazer neste combate ao inimigo comum.
A reflexão leva-nos também a pretensas motivações populistas que se aproveitam das fragilidades legais e brechas constitucionais para lançarem as suas farpas utilizando oportunisticamente argumentos, mais ou menos bem tolerados, para ampliarem poderes políticos, caso de alguns governos europeus, chegando o famoso inglês Nigel Farage a prognosticar o fim do projeto europeu face à visível falta de solidariedade desta Europa que parece ter apenas como fator comum a moeda única.
A política é medida, testada e atestada em tempos de crise. Como qualquer atividade humana, tem a exigência da verdade que, de forma consciente e livre, defende a dignidade humana na subordinação à ética para que o clientelismo instalado e o outro, que virá depois da crise, não atrofie, ainda mais, o conceito e o funcionamento da nossa democracia.
É que à pala da pandemia damos conta de alguns bem-intencionados, vulgo “pessoas de bem”, que se mostram com o simples intuito de voarem politicamente (daqui a uns tempitos) mantendo aquele cantar bem conhecido de cucos da Primavera, quais pavões de monco-caído e granisés cantantes que vão debitando do ninho mediático consentido e, pelos vistos, bem pago, argumentos políticos, científicos e pseudo-leais, assumindo posturas de autêntica campanha eleitoral a longo prazo, de teor Candaliano, em português suave, convencidos da não existência de mais nenhum ser inteligente neste país, ou quiçá, por este mundo fora. Eça de Queiróz, contestando vigorosamente o clima que se instalou logo após o processo de Regeneração de 1851, afirmava que «os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão».
Ramalho Eanes, com o rigor e a seriedade que o caracterizam, na entrevista que concedeu à RTP, disse ser este o momento exato para ser feita a grande, a enorme reflexão.
Stefan Zweig diz-nos isso mesmo: «Alguém compôs um dia um hino à força criadora do destino, porque só aquele que conhece a desgraça conhece a vida. O génio criador precisa desta solidão para medir o horizonte da sua verdadeira missão: Moisés, Cristo, Maomé, Buda, todos foram forçados a penetrar primeiro no silêncio antes de poderem fazer ouvir a palavra decisiva. A cegueira de Milton, a surdez de Beethoven, a prisão de Dostoiewsky, o encarceramento de Cervantes, o exílio de Dante, o afastamento de Nietzsche para o gelo de Engadine, tudo isto não foi senão uma secreta exigência do seu próprio génio, oposta ao desejo superficial do ser humano. Só na derrota o comandante compreende os seus erros, assim como apenas na desgraça o homem de Estado adquire a verdadeira clarividência política. Só a desgraça proporciona uma visão mais larga e mais profunda das realidades do mundo».
É esta a mensagem que aqui deixo. O mundo preparava-se para uma eventual guerra nuclear e nunca pensou que uma guerra biológica seria possível e traria consigo este autêntico inferno que estamos a viver.
Carvalho Rodrigues avisa: «Um dia, quando passar e deixar cicatrizes nos humanos, será altura de estudar e aprender com o que ocorreu agora. Para, depois, ter a esperança de melhor prevenir e controlar outra epidemia que, mais uma vez, virá de surpresa».
Pois é. Esta chegou de surpresa e a santa natureza é uma autêntica caixinha de surpresas. Para o bem e para o mal…

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Albino Bárbara

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