Pascovid-20

Escrito por Pedro Narciso

Em abril, bolos mil. Basta abrir uma qualquer rede social para perceber que a Covid-19 acabou com todos os intolerantes ao glúten. Fossem os Corona Bonds tão rapidamente ao forno como os vossos pães e estaríamos com mais motivos para festejar que qualquer cabrito ou borrego esta Páscoa. Não vislumbrando uma data ao fundo do túnel, continuaremos a chorar o encerramento das escolas e a morte do comércio, enquanto vamos rezando pelo milagre da ressurreição económica.
Depois de um mês de reclusão já temos saudades do odor axilar nos transportes públicos, restaurantes onde não temos mesa, palavrões nas filas de trânsito, discussões sobre o VAR e sermões da Greta Thunberg, da vida pré Covid-19. O novo normal deu-nos filas nos supermercados, discussões sobre reclusão, vergonha alheia no TiK Tok e sermões nos telejornais. No essencial pouco mudou.
Passam gerações, mas a genética encarrega-se de mostrar a nossa massa. E é regozijante passar pelas redes sociais e ver a quantidade de bufos da atividade de conhecidos e vizinhos. Um verdadeiro PIDE a cada esquina. Enquanto exalta a sua conduta impoluta, deseja-se a morte e o exilio dos outros no Goulag do Tintinolho. Uma espécie de Big Brother, ao estilo “A Quarentona da Vizinha é bem melhor que a minha”.
Cidadãos que anseiam por medidas autocráticas não devem estranhar a proibição da divulgação de números pelos municípios. Fará essa censura parte das comemorações dos 46 anos do 25 de Abril? O desejo pela limitação de uso de ventiladores ou reanimação de pessoas que não seguem as “suas normas” encerra mais perigos que a privatização da saúde. Pois, colocadas as regras nesses moldes e nem fumadores, nem diabéticos amantes de bolos, acidentados amantes da velocidade teriam direito à saúde… Só alguém com prova de uma hora diária de exercício gravada, dieta certificada por nutricionista, abstinência de atividades radicais e consumidor compulsivo de óleos essenciais e bagas Goji teria direito ao plano “universal” do SNS.
As ruas da cidade da Guarda, depois de limpas e desinfetadas, à prova do mordomo do Sonasol, continuam vazias. Como sempre. Aqueles a quem o recolhimento forçado seja gerador de ansiedade e medo podem ficar descansados. Todas as atividades essenciais prosseguem sem interrupção. Pelo que todos os amores-perfeitos continuam a ser plantados de forma cuidada nas rotundas da cidade. O que diria de nós um qualquer turista espanhol, especialista em furar fronteiras, se visse que as nossas flores estavam em pior estado que as vossas unhas de gel?
Rejubilaram muito aqueles que consideram o desconto de 30% na fatura da água, de facto, um milagre. Sabendo que a contagem do cliente doméstico é feita por escalões, é fácil perceber que, apesar do ilusionismo, é provável que as famílias continuem a pagar o mesmo ou até mais, sem que o consumo cresça de forma substancial.
Numa altura em que se inicia a entrega do IRS, não se esqueça que o município da Guarda não devolve um cêntimo aos seus munícipes do que recebe do Estado. Injetar liquidez no bolso de muitos que foram obrigados a parar seria a melhor forma de os ajudar. Agora que o assunto se nos tornou tão caro, quantos EPI´s pagaria a FIT, quantos ventiladores poderia ter o Hospital Sousa Martins, dispensando a propaganda, quantos profissionais de saúde poderiam ser pagos sem avençados? Não se trata de demagogia, mas de opções. Sempre.
Até que algo mude substancialmente, temos palminhas. E até elogios do PM inglês, que se esqueceu de agradecer aos sucessivos governos portugueses que permitiram uma massiva formação de enfermeiros, contribuindo para a perpetuação dos salários de 6,42 euros/ hora, ajudando países como o Reino Unido a contratar profissionais a custo zero. É que ao contrário do que cantam os Mind The Gap, quando há crise não é para todos, quando há fome também não, sendo certo que no geral, estamos mesmo “Todos Gordos”.

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Pedro Narciso

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