Gramar gramática na grama

«Outra provocação gratuita e fácil a comunistas é festejar exuberantemente a independência dos países bálticos e a dissolução da União Soviética, actos que tenho praticado abundantemente na minha estadia lituana»

(Ai, que horror, usou “grama” no título, que mania das brasileirices, em Portugal diz-se “relva”.)
“Ai, que nojo, começou um texto com uma frase entre parênteses e com vírgula ondem deviam estar pontos finais, só para parecer que é discurso falado.”Ai, que estupidez, pôs umas aspas para dar ideia que foi outra pessoa que disse aquilo.
Por favor, gostaria que parasse de me interromper e permitisse que eu dê início à minha crónica. Por que é que escrevi grama em vez de relva? Porque quero. Por que não usei grama, unidade de peso, em vez de grama, vegetação rasteira? Porque posso. Por que inventei interlocutores nos três primeiros parágrafos da crónica? Porque mando. E de uma penada, escrevi um parágrafo que além de metaliterário – no sentido em que mete a literatura num sítio que não se deve dizer em público – é uma provocação gratuita a comunistas, que toda a vida reclamaram contra a política do quero, posso e mando. Outra provocação gratuita e fácil a comunistas é festejar exuberantemente a independência dos países bálticos e a dissolução da União Soviética, actos que tenho praticado abundantemente na minha estadia lituana.
Esta semana, conto ao leitor alguns factos singelos da gramática da língua lituana. Tal como sabemos do inglês e do francês, os lituanos não sabem distinguir “ser” e “estar”. Não sei como se desenvolve uma civilização sem essa diferença. A verdade é que os lituanos comem batatas a toda a hora e nunca lhe põem azeite.
O verbo “būti” significa simultaneamente ser e estar. Para simplificar a gramática lituana permite que se omita das frases. Por isso, em lituano, “eu idiota” e “tu cama”, além de serem factuais, são gramaticalmente correctos.
Outra ausência das frases são os artigos definidos e indefinidos, que não existem no idioma autóctone. Os nomes não são acompanhados desses pequenos determinantes. Ora, em português não é igual ser “idiota” ou “um idiota”. Na língua pátria, nós damos o litro ou não fazemos um corno.
Por isso, quando me perguntam – já escreveste crónica para jornal? eu respondo – Sim, já escrevi uma crónica para o jornal. O que ainda me falta escrever é a crónica para um jornal.

Sobre o autor

Nuno Amaral Jerónimo

Leave a Reply