Fogo, Feira Farta, fome e frio

Escrito por António Ferreira

“(…) passando pelo coração da Serra, resta em muitos sítios apenas o carvão (…) Tudo parecia anunciar prosperidade e despensas cheias. “

Primeiro o fogo. Em meados de agosto ardeu boa parte do Parque Natural da Serra da Estrela. As queimaduras na serra vão demorar anos a desaparecer. A viagem da Guarda para Manteigas, via Vale de Estrela e Valhelhas, dá uma ideia parcial do horror. Parece milagre não ter morrido ninguém, com chamas incontroláveis tão perto ou já dentro das povoações. Do concelho da Covilhã a Videmonte, passando pelo coração da Serra, resta em muitos sítios apenas o carvão – a que estão reduzidos, por exemplo, os castanheiros siameses de Famalicão da Serra. As águas do rio Mondego ficaram negras e nas suas margens um lodo cinzento acumula-se. Não tenho solução para o problema dos fogos, mas constato que o distrito da Guarda, com menos de 140.000 votantes, menos do que algumas freguesias de Lisboa ou do Porto, não consegue motivar os partidos para a urgência de a encontrar.
A Feira Farta foi uma pausa barulhenta nos dramas do Verão. Muita gente, música muito alta, políticos. Tudo parecia anunciar prosperidade e despensas cheias. Foi também uma boa ação de propaganda do dinamismo da Câmara, a oferecer ao povo aquilo que acha que o povo gosta.
Depois, ironicamente, com o início das aulas veio a fome. A atribuição de competências do Estado às autarquias locais não se fez sem sobressaltos, como se notou nalgumas escolas da Guarda. Não sei de quem é a culpa, ou se o dinheiro não chegou a tempo, mas faltaram funcionários, organização, comida. Uma perna de frango para duas crianças ou sopa aguada foram a norma durante demasiado tempo. Professores tiveram de acumular o seu trabalho habitual com voluntariado na cozinha e no refeitório. Crianças que contavam com a escola para suprir as carências alimentares que sofrem em casa passaram a ter fome também na escola. Não sobrou nada da Feira Farta?
Vem aí o frio. Mesmo que o Inverno seja benigno, temos garantido um custo muito mais elevado para o aquecimento das nossas casas. O preço da eletricidade não pára de subir, mas também o da lenha, do carvão, dos combustíveis, dos pellets. Estes custam o dobro do que custavam no início do Inverno passado. Não sei a razão desse aumento, num país coberto de pinheiros e eucaliptos e com excesso de biomassa. Não é de certeza por falta de matéria-prima. Podem desculpar-se com o custo dos combustíveis mas isso não justifica um aumento de 100% no produto final. O custo da mão-de-obra também não aumentou significativamente, tendo até sido desvalorizado pela inflação. A inflação justificaria um aumento de 10%, quanto muito. É então o quê? Suponho que a resposta estará na lei da oferta e da procura: muitas empresas exportam a quase totalidade da sua produção para o norte da Europa e pouco sobra para nós, portugueses, felizes habitantes de um país quente do sul. Sugiro que se convide o Governo para uma visita à Guarda em janeiro e que se lhe aqueçam as instalações apenas metade do dia, que os sacrifícios devem ser para todos.

Sobre o autor

António Ferreira

Leave a Reply