Um ilustre comunista, intelectualmente honesto e politicamente correto, justificava-me que o PCP não tinha alternativa de voto contra o Orçamento de Estado.
As razões não eram económicas, nem orçamentais. Eram políticas, exclusivamente políticas. Que o PS tinha saído abalado das autárquicas, que a contestação laboral estava em crescendo, a pandemia vai obrigar a novas restrições em pleno Natal com a revolta de vastos sectores da economia e estratos relevantes da população, a que o preço dos combustíveis dá rastilho, dizia. O PS bateu no fundo e o PCP também. Mas o PS, com tempo e os dinheiros da Europa, a bazuca e o Portugal 2020 e o envelope financeiro do 2030, vai sair rapidamente desta situação negativa, acrescentava.
Com o PC é o contrário. Estão mal e com o tempo só tende a piorar a situação. O Bloco faz uma idêntica leitura da situação política. Era agora ou nunca, concluía.
Nem o benefício da dúvida da discussão na especialidade foi concedida. Radical, cortam logo o mal pela raiz e votam contra na generalidade. E inventam o falso pretexto do PS querer provocar eleições para tentar alcançar a maioria absoluta e não ceder às exigências dos camaradas da geringonça.
O PS fez tudo, indo até para lá dos limites, para viabilizar o OE. O Bloco e o PC pretendem reerguer-se da sua profunda crise e só conhecem o caminho da contestação social e instabilidade política.
A governabilidade do país exige seriedade e compromisso e, na falta disso, é preciso ter a coragem cívica de apelar à maioria absoluta do PS. Deixem-se de análises rebuscadas da realidade, ridículas e incoerentes. Numa democracia, o governo de todos e para todos, não se pode confundir voto maioritário com ditadura da maioria. A alternativa, como se viu agora na votação do OE, é a crise política, eleições e o preconceito antidemocrático que alimenta os populismos e dá força à extrema direita. Historicamente esta crise vai ficar conhecida como o frete dos extremos. Vamos ver quem paga o frete.
Fogo à peça foi uma expressão que contaminou o ambiente no plenário da AR durante dias. Tudo começou a 27 de outubro, dia da votação do OE. O primeiro-ministro estava de semblante duro, tenso, como o ambiente na sala das sessões. O silêncio que pré-anuncia os grandes momentos enchia o hemiciclo por inteiro. Do meu lugar na terceira fila não consegui travar um grito solidário de incentivo: fogo à peça. Costa ouviu e sorriu. As palavras saíram serenas, solenes. Toda a tensão desaparecera.
Que enorme discurso aquele! Fogo à peça. Várias vezes invocado nas discussões no plenário, nas comissões, nos corredores, vai ficar como um momento parlamentar no dia em que o XXII Governo caiu.
Vamos à luta? Fogo à Peça.
* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda