Ano após ano, os governos continuam a insistir no crescimento económico como grande prioridade política, mesmo numa altura em que se tornou evidente que este não se traduz necessariamente numa melhoria global da qualidade de vida das populações. Além disso, o esgotamento dos recursos naturais e os elevados níveis de poluição associados ao crescimento económico estão a contribuir para o colapso ambiental do planeta. Face ao exposto, talvez não seja exagerado afirmar que a obediência a este imperativo se assemelha a um estado de alucinação coletiva do qual as nações são incapazes de se libertar.
Esta obsessão com o crescimento económico ignora outro facto fundamental: o mundo já produz bens suficientes para proporcionar uma vida digna a toda a população. O problema não reside na falta de produtividade, mas sim na desigualdade de acesso e no desperdício. O caso da alimentação é particularmente elucidativo. Um estudo recente concluiu que já se produzem alimentos suficientes para alimentar toda a população humana. No entanto, todos os anos, milhões de toneladas de alimentos são desaproveitadas. Nos EUA, o país com a economia mais forte do mundo, o habitante médio consome cerca de 25% de calorias a mais do que o necessário e 30% a 40% de toda a comida é desperdiçada.
A realidade dos EUA também é elucidativa quanto à correlação entre crescimento económico e distribuição da riqueza: os 1% mais ricos detêm mais de um terço da riqueza nacional. No plano global, o cenário é ainda pior: em 2023, 60% da nova riqueza gerada foi retida pelo 1% mais rico da população, enquanto 1,7 mil milhões de pessoas continuaram a viver em situação de pobreza. O que se verifica no interior de cada país aplica-se também às relações entre nações. Com raras exceções, os países menos desenvolvidos vão-se eternizando enquanto fornecedores de matérias-primas e de mão-de-obra para os países mais ricos.
Importa também não perder de vista a relação de causalidade entre o crescimento económico e os sucessivos episódios de tensão político-militar. As disputas por recursos naturais para sustentar o crescimento económico têm sido, desde sempre, um dos principais catalisadores de conflitos diplomáticos, comerciais e armados. Aliás, para o confirmar nem precisamos de mergulhar nos anais da história. Basta elencar alguns dos objetivos que levaram Putin a invadir a Ucrânia ou ouvir um discurso de Trump sobre as terras raras ucranianas e as reservas de minerais da Gronelândia.
Para piorar o cenário, este compromisso com o crescimento económico infinito surge envolto por uma auréola de inevitabilidade. Tal deve-se, em parte, à ausência de alternativas válidas ao sistema económico de base. Mas, em verdade, o sistema não precisa de ser substituído. Apenas necessita de ser reconfigurado, garantindo-se uma nova centralidade à sustentabilidade do planeta e ao bem-estar da população. Os Estados têm, por isso, um papel fundamental a desempenhar.
Os países mais desenvolvidos encontram-se hoje em condições de complementar os esforços em curso para melhorar a distribuição da riqueza e o combate ao desperdício com medidas mais inovadoras. Uma dessas medidas passa pela definição de um ponto ótimo de crescimento económico. Este “ponto ótimo” corresponde a um estádio ideal de desenvolvimento económico, em que toda a população tem acesso aos bens e serviços indispensáveis a uma vida digna. Aos governos competirá incentivar o desenvolvimento económico no sentido de alcançar e manter o patamar definido. Uma vez aí chegados, a economia não precisará de continuar a crescer ano após ano por mera questão de dogma.
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