Nota prévia: o primeiro-ministro de Portugal só é responsável por qualquer coisa positiva que aconteça neste país. Quando há problemas, é uma vítima das circunstâncias. A presença de António Costa no Governo varia entre 2005, 2015 ou Março deste ano, conforme a atitude seja gabarolas ou temerosa. Para séries longas positivas, o PS tem governado o país ao longo do século XXI. Para desastres anunciados, este Governo só tem três meses.
O nosso governante-mor nasceu, como diz o povo, com os glúteos na direcção do satélite natural da Terra. A mortalidade cresce na pós-pandemia como nunca nas últimas décadas, mas o que é isso comparado com a terrível situação do povo ucraniano? Costa gagueja e tergiversa sobre o apoio à Ucrânia, mas o que é isso comparado com a demissão da embaixadora da Ucrânia em Portugal? Há mortes em Portugal por causa de maternidades que não funcionam, mas o que é isso comparado com uma decisão do Supremo Tribunal dos EUA? Em todos estes assuntos, António Costa manifestou-se deveras indignado com as adversativas, mostrando que com Portugal não se brinca. Não se atrevam os órgãos legítimos de soberania de outros países de tomar decisões que não agradem a Costa, que levam logo com uma “flash interview” do nosso primeiro-ministro.
Como se não bastasse o apoio cósmico do destino, o PS tem Costa larga no universo mediático. Se a austeridade de Passos era criminosa, a austeridade de Costa é benigna. Se uma central de comunicação no Governo de Santana era inaceitável, um director de comunicação no Governo de Costa é venturoso. Se a saída de Barroso para a Comissão Europeia foi vergonhosa, a vontade de Costa de ir para Bruxelas é um orgulho nacional. Se as obras públicas de Cavaco foram uma oportunidade perdida, o PRR de Costa é a oportunidade da nossa vida.
Isto serve para mostrar que, ao contrário do que os leitores possam pensar, nunca escrevo com raiva a António Costa. Na verdade, revejo-me muito neste predicado do primeiro-ministro de nunca ser responsabilizado por nada. Por este singular motivo: o líder da nação e eu partilhamos uma característica que se tem afigurado muito relevante para as funções que desempenhamos fora do âmbito profissional – ele a governar e eu a opinar. É que apesar de não fazermos nada de jeito há vinte anos, continuamos a ter boa imprensa e um lugar no espaço público.
* O autor escreve de acordo com a antiga ortografia