A Primavera tem destas coisas: renova a Natureza e todas as nossas vontades. No céu, o rodopio das andorinhas marca o ritmo das ideias que nos saem em catadupa. Verdes demais para serem saboreadas, mas com tão bom aspeto que não hesitamos em adquiri-las. No Mondego, os escaravelhos, os gaios, os ratos do campo e uma mole de flores amarelas, de quem ninguém sabe o nome, explodem sob os ramos dos castanheiros, alheias aos humanos que, ali ao lado, pregam tábuas esquisitas e os sufocam com estranha serradura. Tivessem eles orelhas, olhos e um pensamento, em vez de um sentir biológico sem voz que, pelas margens deste rio, outro som ecoaria. As aves, essas, sempre podem chocar os ovos à pressa, na esperança de conseguir levar a descendência dali para fora, a tempo. Agora, às plantas só resta resignarem-se a tal sorte e às pedras a possibilidade de avisarem os musgos que o melhor será procurarem outro poiso. Já à água do rio, que se tem fartado de correr, mesmo com tanta correria, não restará mais nem boa do que levar com o lixo que inevitavelmente lhe cairá.
Entretanto, na cidade, por entre contrições ecológicas, provocadas pelas notícias e pelos alertas da Greta, soam loas à obra. Pessoas, a quem a Expo 98 ensinou a lavar a consciência ambiental com discursos suficientemente assertivos para convencer qualquer um, assinam petições pela defesa da Terra e, principalmente, dos Oceanos. Os desvarios de Verão e a angústia provocada pelo preço das portagens, que não deixam ninguém ir empanturrar-se de marisco e bolas de berlim com creme junto ao mar, ainda vêm longe e há que ocupar o tempo. Não é? Pelo menos, entre a conclusão de um lanço de passadiço e outro, os guardenses sempre vão abanando a cabeça em direcção ao peito, circunspectos, perante os discursos de Guterres e as decisões de Biden. Esses dois, pelos cargos que ocupam, até serão os maiores responsáveis pela protecção do ambiente. Este mesmo ambiente, tão lindo e puro, que os passadiços do Mondego vão permitir que se desfrute. É que, com as autoestradas, entre imposto automóvel, combustível e portagens, está mais do que visto que não nos safamos. Para além de que, hoje em dia, assusta tanto viajar de avião que nem nos importamos assim tanto de ficar por aqui, desportivamente vestidos e calçados pelo que nos chega da China, a calcorrear, de uma ponta à outra, aquele pedaço do rio. Já para não falar das hordas de turistas que, precisamente, por também não acharem lá muito boa ideia frequentar aeronaves lotadas, agora acorrerão ao concelho. Aliás, basta lembrar de todos os outros passadiços para perceber que isto vai ser um sucesso turístico e económico. Impossível de alcançar só com meia dúzia de rebanhos e umas cabras pelo meio. Tivéssemos uns pastores, uns cobertores, uns cestos e uns queijos em pão de centeio que ainda arranjávamos aí um negócio mesmo, mesmo ecológico. Assim, está visto, resta-nos esperar que o governo de Portugal, a União Europeia ou os Estados Unidos façam alguma coisa pelo clima e, acima de tudo, por nós. Ou, então, que os do Paiva se lembrem, sei lá, de fazer uma cinta sanitária à volta do património cultural e natural para depois irmos atrás…
Em abril, passadiços mil
«Os desvarios de Verão e a angústia provocada pelo preço das portagens, que não deixam ninguém ir empanturrar-se de marisco e bolas de berlim com creme junto ao mar, ainda vêm longe e há que ocupar o tempo.»