Como diria Salgueiro Maia, há alturas na vida em que é preciso desobedecer. Apesar de não constituir um direito consagrado na Constituição, a desobediência civil, às vezes, é mesmo necessária. Pode ser executada por indivíduos ou em grupo e, desde que seja justificada e feita de forma pacífica, pode ser aceite dentro do campo ético e moral. Como explica a filosofia, o cidadão só tem o dever moral de obedecer às leis se estas forem justas. Dou um exemplo: Rosa Parks recusou, em 1955, ceder o seu lugar no autocarro a um cidadão branco. Naquela época, e por lei, os negros tinham que ceder os seus lugares aos brancos. Desobedeceu. Foi presa, mas foi um exemplo. Anos mais tarde, Luther King inspirar-se-ia em Rosa Parks na sua luta contra o racismo. Posso dar outro exemplo: Gandhi foi o responsável pela Marcha de Sal, pois os indianos (colonizados pelos ingleses) foram proibidos de produzir sal para que o comprassem aos britânicos. Gandhi estará sempre ligado à desobediência pacífica.
É preciso coragem para desobedecer. E é isso que temos visto nos últimos meses no Irão. Desobedecem numa verdadeira luta pelas mulheres, pelos direitos humanos, pela democracia. O Irão vive há dezenas de anos numa teocracia onde alguns fanáticos tentam impor a sua moral e os seus princípios pela força e pela violência. Muitos jovens têm desobedecido. Queimam hijabs, cortam cabelos e dão o exemplo ao mundo. Já morreram centenas nos protestos e as suas mortes não serão em vão. É notável a bravura das mulheres iranianas e dos homens que as apoiam nas ruas depois da morte de Masha Amini, em Teerão. Esta mulher foi vítima da organização que dá pelo nome de polícia da moralidade pelo alegado crime de não ter o cabelo totalmente tapado pelo véu, o hijab. Masha tinha 22 anos e não era ativista política nem tinha um historial de se pronunciar contra as restrições sociais e políticas no Irão. A liderança iraniana seguiu a cartilha habitual de repressão e de bloquear o acesso à Internet, à comunicação e a todas as respostas e vídeos de protesto e confronto. A revolta foi para a rua manifestar-se e pedir uma mudança do regime que tem que acontecer. A discriminação das mulheres em estados islâmicos está enraizada na cultura patriarcal prevalecente nessas sociedades. Como referiu Shirin Ebadi, já em 2003, no seu discurso de aceitação do Prémio Nobel da Paz, e onde começou por expressar o seu orgulho por ser iraniana, muçulmana e mulher, esta cultura não tolera a liberdade e a democracia e não aceita a igualdade de direitos entre homens e mulheres, pois isso seria uma ameaça à posição tradicional e histórica dos dirigentes dessa mesma cultura. Os iranianos lutam nas ruas: mulheres e homens. Aumentam os protestos ao mesmo tempo que também cresce o número de mortes devido à repressão violenta da polícia que já não tem meios para reprimir todos os manifestantes. Nisto assenta o princípio da desobediência civil, teorizado por Thoreau. «A desobediência civil é uma forma de luta legítima e pacífica contra a opressão e os atropelos. Se formos tantos a desobedecer a uma lei injusta, o estado não terá meios para forçar a sua implementação». Da nossa parte temos que manter viva a sua luta e não deixar que saiam dos holofotes mediáticos. O Irão não é único no mundo contemporâneo cheio de extremos e é preciso indignarmo-nos e pressionar as representações diplomáticas destes países a comunicarem mensagens de mudança urgente. Pressionar também os nossos líderes políticos a que não facilitem relações diplomáticas que não responsabilizem o incumprimento dos direitos humanos.
Ainda não sabemos se é uma revolução mas os protestos no Irão já estão a fazer história. Também aqui foi e é preciso desobedecer. É a luta inspiradora e arrepiante pelo humanismo, pela igualdade, pelos direitos humanos, pela liberdade que não pode deixar ninguém indiferente.
* Deputada do CDS-PP na Assembleia Municipal da Guarda