E o inesperado voltou a acontecer, na Guarda

“A questão da habitação é grave em todo o país e o concelho da Guarda não é exceção. Na cidade, o centro histórico, certamente, mas também nas aldeias, onde há um número indeterminado de casas abandonadas e que com custos muito reduzidos poderiam ser reabilitadas e postas no mercado de arrendamento a custos acessíveis.”

Poderia ser tentado a considerar mero erro, a que todos estamos sujeitos, ter o senhor presidente da Câmara da Guarda, Sérgio Costa, recusado um apoio (a fundo perdido) da DGArtes do MC à programação do TMG de 800.000 euros para quatro anos. Assunto sobre o qual já aqui escrevi. Mas não me parece que seja o caso, visto que de novo o senhor presidente voltou, no meu entendimento, a cometer um enorme erro na proposta/projeto que enviou à Comunidade Intermunicipal Beiras e Serra da Estrela (CIMBSE) para obter apoio financeiro do IHRU, em sede de PRR, para reabilitação ou construção de habitação a custos acessíveis. Um programa que, de resto, é diferente do programa de construção de habitação social, ao abrigo do 1º Direito – Programa de Apoio de Acesso à Habitação, que já existe, sendo socialmente mais amplo e mais simples, assinado no passado mês de julho de 2022 entre o município e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU).
Erro, qual? Simples: o concelho da Guarda (com cerca de 37 mil eleitores) foi dos concelhos que propuseram, para este fim, os valores mais baixos entre todos os concelhos que integram a CIMBSE – 485.300 euros. Todos os outros concelhos propuseram projetos de valor muito superior ao que a Guarda apresentou. Dois exemplos muito significativos: Manteigas, com pouco mais de 3 mil eleitores, propôs cerca de 3,5 milhões de euros; Gouveia, com cerca de 12,5 mil eleitores, propôs cerca de 3,5 milhões de euros. Entre o município com maior verba atribuída, Fundão, 30,5 milhões de euros, e a Guarda, 485.000 euros, existe uma diferença incomensurável de mais de 30 milhões de euros.
O maior concelho do distrito e o segundo da CIMBSE candidata-se à segunda menor verba para apoio ao arrendamento de habitação a custos controlados. Uma verba, atendendo à dimensão e à importância do concelho, absolutamente ridícula e que dá bem ideia do valor que a atual Câmara atribui ao momentoso problema da habitação.
Da cultura à habitação – a CMG é rica e não precisa de apoios. Tem dinheiro a rodos. Para a cultura e para a habitação. E os outros setores? Esperemos para ver. Será esta a linha de fundo que orienta a política autárquica do senhor presidente Sérgio Costa? Um erro, ainda que grave e incompreensível, ainda poderia passar, mas dois, e desta dimensão, deixam sérias dúvidas se não estaremos perante algo sistémico, perante evidente incapacidade de aproveitar todas as oportunidades para promover o desenvolvimento do território e, neste caso, a coesão social. E se assim é para decisões tão lineares como estas, em setores tão visíveis e importantes, como são o da cultura e o da habitação, o que não acontecerá com outros setores que exigem maior atenção, mais criatividade, mais preparação e mais trabalho?
Do que se trata, realmente, no caso da habitação? Conta-se em poucas palavras. Fundos do PRR para este setor são geridos pelo e IHRU. Em 25 de janeiro de 2023 – há dias, portanto –, este Instituto assinou um “Protocolo de Cooperação para apoio a Projetos de Habitação a custos acessíveis” com a CIMBSE com vista ao financiamento dos projetos que lhe foram apresentados pelas autarquias que a integram.
O valor total dos projetos apresentados e que foram objeto deste protocolo é de 66,3 milhões de euros (excluído o valor de aquisição). Portanto, 66 milhões de euros a fundo perdido e 700 habitações destinadas a arrendamento a custos acessíveis.
A questão da habitação é grave em todo o país e o concelho da Guarda não é exceção. Na cidade, o centro histórico, certamente, mas também nas aldeias, onde há um número indeterminado de casas abandonadas e que com custos muito reduzidos poderiam ser reabilitadas e postas no mercado de arrendamento a custos acessíveis. Habitação e requalificação do tecido urbano rural – um investimento virtuoso sem custos. Aproveitando os fundos disponíveis do PRR e o dispositivo posto à disposição das Câmaras pelo IHRU, no âmbito da CIMBSE foram apresentados 15 projetos, correspondentes aos concelhos que a integram, alguns com valores consideráveis e todos eles, exceto o da Covilhã (com cerca de mais 7 mil eleitores), de dimensão inferior ao da Guarda. Mais quatro exemplos: 30,5 milhões e 269 habitações (Fundão), 9,6 milhões e 76 habitações (Seia), 7,3 milhões e 40 habitações (Covilhã), 4,5 milhões e 44 habitações (Almeida). Guarda: 485 mil euros, destinado a remodelação de 11 habitações. Será esta a necessidade, aos olhos da autarquia, para fazer face ao problema da habitação no nosso concelho? Uma verba verdadeiramente ridícula e exígua que demonstra falta de visão estratégica para o concelho. Lamento ter de o dizer, mas é o interesse dos munícipes que está em jogo e o desenvolvimento do território.
Espera-se para breve uma lei que ataque todas as frentes do gravíssimo problema da habitação, designadamente a questão central do mercado de arrendamento, mas, entretanto, no âmbito do PRR estão já a ser dados importantes passos que procuram ajudar as famílias com menores recursos a poderem dispor de arrendamento a custos controlados, ou seja, rendas acessíveis e que não encontram respostas no mercado tradicional. Todos sabemos que se trata de um imperativo constitucional e que é dever dos responsáveis políticos empenharem-se com denodo no combate a este problema. Devo confessar que, pelo que vejo, este, para o senhor presidente da Câmara, é um problema sem importância de maior. Pois eu digo-lhe daqui, com toda a franqueza e respeito, que é, sim, um problema da maior importância e que teria merecido um maior empenho da Câmara Municipal.

* Deputado do PS na Assembleia da República eleito pelo círculo da Guarda e presidente da concelhia socialista da Guarda

Sobre o autor

António Monteirinho

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