Naquela manhã, o pelintra decidiu ir pelo “elevador social”. A opção seria usar o outro, mais para executivos. Mas teve receio que o porteiro, demasiado atento, lhe barrasse a entrada. Mesmo para os padrões do pelintra, o cheiro de doze cidadãos carenciados que se respirava no habitáculo, até ao 9° piso, não era nada agradável. A manutenção do mecanismo também deixava a desejar. Mas o sacrifício valia a pena. Um elevador social é a maior conquista das classes trabalhadoras desde as férias pagas da Frente Popular francesa, em 1936. Nem Marx previu esta tecnologia, que permite a qualquer borra botas aceder aos andares superiores, para engraxar as botas a trazer encomendas aos CEO e outros quadros de topo.
O que é o feminazismo? Uma corrente do pensamento muito em voga, veiculado, por exemplo, pela investigadora Raquel Varela. Uma espécie de Boaventura de saias, empunhando a vulgata radical chic contra o heteropatriarcado tóxico, o Ocidente em geral e a alta finança global em particular. Claro que a Dra. Raquel, eminente professora da vetusta Universidade de Coimbra, não empunha “Os Miseráveis” “pour epater les bourgeois”, nem se toma por uma qualquer Cosette, vítima da iniquidade do mundo… Não! A Prof. Varela exibe “O Império”, de Toni Negri e Michael Hardt, a Bíblia do pós marxismo, e arremessa o livro violentamente aos heteropatriarcas mais à mão, aos famigerados neo liberais e aos desgraçados transeuntes, por azar não certificados pela comissão de igualdade de género. De caminho, com a outra mão, lá vai segurando o colar de pérolas, não se vá ele soltar.
Deliciei-me assistindo à versão cinematográfica de “As três irmãs”, de Tchekov, com realização de Laurence Oliver, uma produção de 1970. Trata-se de uma das peças da trilogia nuclear do grande dramaturgo e novelista russo, juntamente com “A Gaivota” e “O Cerejal”. Tive a felicidade de assistir às três em palco, nos anos 90, no Teatro da Graça. Não por acaso, Raymond Carver dedicou o seu “Três Rosas Amarelas” a Tchekov, pois teria sido esse o último pedido do dramaturgo, no seu leito de morte. Os ambientes nostálgicos de Tchekov existem para que as personagens fortes, sonhadoras e irrealizadas que os povoam possam brilhar sem restrições. Tchekov assistiu ao ruir de um mundo que seria muito em breve substituído por outro. A delicadeza e as doces circunvalações do espírito seriam em breve substituídas pela brutalidade e o soez materialismo. E soube testemunhá-lo como ninguém.
Um idealista é uma criança descuidada, mas firme na sua ambição. Um sonhador é como uma vela que se vai consumindo lentamente e no final da festa se apaga. Embora cintilando a glória de uma generosidade sem audácia. O diletante, por sua vez, é um imitador. Prefere quase sempre o glamour do idealista, em vez do funambulismo do sonhador. Lembremo-nos do tremendo Ega, de “Os Maias”. Um homem do mundo, mas sem mundo para se equilibrar. Uma promessa de talento eternamente adiada. Portanto, o diletante é escravo do destino que criou para si. Persegue a forma, crendo que é o conteúdo. Fica sempre a meio do caminho que ele pensa ter chegado ao fim, para logo começar outro. Por isso, usar as vestes do idealista pode ser-lhe fatal. O idealista é o escravo forro que se libertou do seu destino. Mais ninguém, senão ele, provará os frutos mais doces, descobrirá música no crepitar do fogo, ou tingirá de oiro a crueldade com que o mundo o põe à prova.
Há dois tipos de loquacidade. A das pessoas que discorrem, esquecidas delas próprias. Impossível prever onde chegam. Depois, existe a daqueles que encadeiam uma série limitada de situações, colocando-se sempre no centro. Como se o seu discurso evoluísse de forma radial. Graficamente, a loquacidade dos primeiros pode ser representada como uma espiral. A dos segundos, como anéis concêntricos.
* No calendário vegetal celta significa “carvalho”
** O autor escreve de acordo com a antiga ortografia