Duas grandes revoluções científicas

Escrito por António Costa

“O fundamental nelas é representarem o começo da ciência no sentido moderno da palavra. Estas duas revoluções devem ser vistas em conjunto como uma única revolução científica com duas etapas: a coperniciana e a darwiniana.”

Existe uma versão da história das ideias que proclama duas grandes revoluções científicas: a revolução coperniciana e a darwiniana. Segundo essa versão, a revolução coperniciana consistiu em deslocar a Terra do seu lugar anteriormente aceite como centro do Universo, posicionando-a num lugar subordinado, como um mero planeta que gira em torno do Sol. De maneira congruente, afirma-se que a revolução darwiniana consistiu no afastamento da espécie humana da sua posição eminente como centro da vida da Terra, com todas as restantes espécies criadas a servir a humanidade, e a sua conversão em mais uma espécie entre milhares e milhares de outras. Segundo esta história de ideias, Copérnico conduziu a sua revolução mediante a teoria heliocêntrica do Sistema Solar. A contribuição de Darwin deveu-se à sua teoria da evolução biológica.
Esta versão das duas revoluções é inadequada. O que afirma está correto, mas negligencia o mais importante em relação a estas duas revoluções intelectuais. O fundamental nelas é representarem o começo da ciência no sentido moderno da palavra. Estas duas revoluções devem ser vistas em conjunto como uma única revolução científica com duas etapas: a coperniciana e a darwiniana.
Pode considerar-se que o início da revolução coperniciana coincide com a publicação em 1543, o ano da morte de Nicolau Copérnico, do seu livro “As Revoluções das Orbes Celestes”, e culminou com a publicação em 1687 dos “Princípios Matemáticos da Filosofia Natural”, de Isaac Newton. As descobertas de Copérnico, Kepler, Galileu, Newton e outros, nos séculos XVI e XVII, tinham construído gradualmente uma conceção do Universo como matéria em movimento governada por leis naturais. Estes cientistas demonstraram que a Terra não é o centro do Universo, mas um pequeno planeta na órbita do Sol, uma estrela muito vulgar; que o Universo é imenso no espaço e no tempo; e que os movimentos dos planetas em torno do Sol, se podem explicar com as mesmas leis simples que explicam o movimento dos objetos físicos no nosso planeta.
Estas e outras descobertas expandiram enormemente o conhecimento humano. A revolução conceptual que desencadearam foi ainda mais fundamental: um compromisso com o postulado de que o Universo obedece a leis permanentes que explicam os fenómenos naturais. Estes foram levados para o domínio da ciência: a explicação por meio de leis naturais. Os fenómenos da física e da astronomia podiam ser explicados sempre que as causas fossem adequadamente conhecidas.
Os avanços da ciência física realizados pela revolução coperniciana tinham transformado a visão que a humanidade tem do Universo num estado conceptual esquizofrénico, que persistiu até meados do século XIX. As explicações científicas sobrenaturais, dependentes das insondáveis ações do Criador, explicavam a origem e a configuração das criaturas vivas: as realidades mais diversas, complexas e interessantes do mundo, tal como defendia William Paley na sua “Natural Theology”, de 1802. Como concluía Paley: «Não pode haver desígnio sem um projetista; invenção sem inventor; ordem sem escolha (…); meios apropriados a um fim, e executando a sua função para alcançar esse fim, sem que este fim tenha sido contemplado». Com “A Origem das Espécies” (1859), o seu livro mais importante, Darwin resolveu esta esquizofrenia conceptual e completou a revolução coperniciana ao estender aos seres vivos a noção de natureza como um sistema de matéria em movimento, que a razão humana pode explicar sem recorrer a agentes extranaturais. O enigma que Darwin enfrentou não pode ser sobrestimado. O argumento do desígnio para demonstrar o papel do Criador fora implantado na tradição cristã de forma sólida. O grande feito do Darwin foi demonstrar que a complexa organização e a funcionalidade dos seres vivos pode explicar-se como o resultado de um processo natural, a seleção natural, sem qualquer necessidade de recorrer a um Criador.

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António Costa

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