Domingo de festa na cidade

Escrito por Fidélia Pissarra

“Afinal, ainda havia bons autarcas e lá continuou a descer até que a perplexidade, provocada pela visão daquele risco azul, feio e despropositado, a contornar o fim da descida do monte que estava preste a concluir, lhe fez lembrar um rio de plástico, cujo único propósito era o de desfear a paisagem, o ter deixado imóvel e sem palavras.”

No dia anterior, alguém informara a redação do jornal de que nesse domingo seria inaugurado um importante equipamento urbano na cidade a que Ribeiro acabara de chegar. Contrariado, por considerar que aos domingos as inaugurações tendem a gostar de cerimónias compridas e fastidiosa e por até já ter planos para esse dia que teve de cancelar à pressa, decidiu viajar de autocarro até à localidade que, por estar muito a leste, não haveria de ser muito grande e o carro não lhe faria grande falta. Viajando em transporte público, sempre podia aproveitar para dormir o que ainda lhe restava da noite. Acabada a viagem, saiu da central de camionagem e, na tentativa de se situar em relação ao local do evento, lançou um olhar de reconhecimento em todas as direções, concluindo que, além da única rua, de calçada irregular e muito íngreme, que lhe surgia à frente, não lhe restava outro caminho que levasse a algum lado. Antes de decidir se a havia de subir ou de descer, ainda hesitou um instante, mas acabou por escolher aquela que lhe pareceu mais fácil de alcançar e iniciou a curta descida. Andou, andou e a rua continuava a descer para outra rua que descia para outra, numa descida que nunca mais acabava. Entre uma rua e outra, caminhava na esperança de encontrar quem lhe desse informações sobre o evento, o local do evento, sobre o qual deveria escrever a notícia para o jornal que o empregava e ali o enviara. Nada, não encontrou ninguém e pensou que seria ainda muito cedo para que os locais andassem já pela cidade, até porque, sendo domingo, as pessoas nem para o trabalho teriam de sair.
Havia já percorrido uns bons quinhentos metros quando encontrou a primeira pessoa e, feliz por poder sair mais rapidamente daquela caminhada sem fim, perguntou-lhe quanto tempo teria ainda de caminhar para alcançar o local da inauguração. Infelizmente, aquela pessoa não sabia de local nenhum, nem de inauguração nenhuma e apenas se lhe queixou da interminável subida que aguardava as suas velhas pernas e de como tinha sido até bastante agradável dar-lhes algum descanso enquanto falavam. Mesmo sem informação nenhuma, sobre evento ou local, o jornalista achou-se suficientemente profissional para, daquela conversa, intuir que o equipamento a inaugurar deveria ter a ver com a mobilidade no burgo. Realmente, com descidas, e consequentes subidas, daquelas umas escadas rolantes ou uns elevadores haveriam de dar jeito aos que diariamente eram obrigados a subir e a descer ruas tão inclinadas.
Era isso. Aqueles milhões todos gastos no equipamento a inaugurar só por pouparem as pernas aos daquela cidade teriam sido muito bem empregues. Afinal, ainda havia bons autarcas e lá continuou a descer até que a perplexidade, provocada pela visão daquele risco azul, feio e despropositado, a contornar o fim da descida do monte que estava preste a concluir, lhe fez lembrar um rio de plástico, cujo único propósito era o de desfear a paisagem, o ter deixado imóvel e sem palavras.
Encontrara o evento, alguém se tinha lembrado de inaugurar aquilo.

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Fidélia Pissarra

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