Em fim-de-semana chuvoso e confinado, vi, na Apple TV+, a primeira temporada da série “Dickinson”, uma biografia muito pop e cheia de anacronismos da poeta Emily Dickinson.
Além de ser uma das minhas poetas preferidas, Dickinson e eu temos algumas coisas em comum. Raramente saímos de casa, somos solteiros, e ninguém lê o que escrevemos. Também temos as nossas diferenças. Ela é americana, eu sou europeu; ela viveu no século XIX, eu, nos séculos XX e XXI; ela é apaixonada pela mulher do irmão, eu não sou.
Por causa da discriminação que afastava as mulheres de uma existência pública, Emily não pôde publicar os seus textos em vida. Por causa de publicar os meus textos em vida, as mulheres discriminam e afastam-se da minha existência privada.
Emily Dickinson sonhava com a Morte, eu ando mortinho por ter um sonho.
Apesar de ter sofrido com a segregação das mulheres no espaço público, Emily Dickinson nunca foi espancada por agentes do SEF, nem assediada por funcionários da CP. Também não teve tempo de ler insultos no Twitter.
Depois de morrer, a sua poesia foi encontrada, publicada e amplamente divulgada. Hoje é reconhecidamente uma das melhores poetas da literatura americana. Quando eu morrer, os meus textos estão na pasta “Documentos – Ornitorrincos”. A esperança é essa coisa com penas.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia