O Verão terminou e as janelas das casas fecham-se para a vida. Faz frio no coração dos homens e, de tanto frio, gelam-se as artérias onde outrora corria sangue da Humanidade. A compaixão ficou esquecida nos Testamentos que já ninguém lê e perfilam-se os figurantes para a parada do ódio travestido de mandamento do bem.
De repente, no segundo entre a bala e o corpo, acaba o amanhã que tanto se havia sonhado. De repente, entre o poder e o dever, acaba o progresso que os Gregos nos haviam ensinado.
A religião, refúgio de tantas almas, orienta os crentes para a comunhão, quer isto dizer, para a irmandade, para a união, para a bondade, para nos vermos como semelhantes, todos criados pela mão e vontade de algum Deus. As Igrejas são ainda locais de muita afluência, pelo menos no interior, o que deveria ser indicador da pureza do coração desses filhos que esperam a salvação – mas nem sempre é assim.
O julgamento não é só coisa de Deus depois da morte, é coisa de apóstolos que julgam o outro pela cor da pele, pela orientação sexual, pela nacionalidade e pela condição social. Quantos, dos que vão à Igreja, creem que a vida de um cidadão branco vale mais do que a vida de um cidadão preto? Quantos, dos que pedem perdão e dizem seguir Deus Pai, acreditam que Deus é pai apenas de filhos heterossexuais e que as famílias só são detentoras de tal estatuto se forem compostas, primeiramente, por homem e mulher? Quanto, de tudo isto, está longe dos princípios que a Bíblia inscreveu?
Falo de crenças porque o populismo se alimenta da sua desvirtuação. Aproveitam o medo do inferno para nos fazer temer de todos aqueles que vivem em bairros diferentes que os nossos, que têm uma tez mais escura que a nossa, que têm mais problemas sociais do que aqueles a que estamos habituados a ter, que nasceram em países diferentes do nosso, que têm ritos, culturas ou etnias que nos são estranhas. Aproveitam a demonização para diabolizar tudo o que pretenda sair do paradigma convencional, não entendendo a naturalidade da diferença, lutando para a sua eliminação.
Estes, que se dizem filhos de Deus, espalham a maldade, o ódio, a intolerância, a ignorância, a opressão e a censura, com profecias que fazem qualquer Deus esconder-se de vergonha das suas palavras, atos, omissões (e intenções).
Que o leitor não se deixe invadir por esta onda que cavalga a malícia e se aproveita de versículos para professar o mal. Os Deuses não usam armas, não têm cor, nacionalidade, orientação sexual, nem discriminam ninguém. Os Deuses, a ser, são amor. Que saibamos, também nós, ser Deuses, contribuindo para proliferar o bem e a verdade. Que a Palavra de Deus nunca seja de ódio.