Construir raciocínios

Escrito por Diogo Cabrita

“Se colocarmos tudo isto para a Inteligência Artificial decidir, sai um texto carregado de palavras lindas como inclusão, sustentabilidade, recursos, modernamente, verificação de “outcomes”, mas onde as soluções estão limitadas porque Júlio de Matos, Sobral Cid e outras experiências (…)”

A estrutura do pensamento da inteligência artificial baseia-se na informação colocada ao dispor e na capacidade de elaborar padrões de semelhança, que aproximam visualizações em certezas. Cinquena mil imagens do lobo frontal do cérebro com aspeto tumoral garantem que a máquina aprendeu a dizer que imagens semelhantes são tumores.

O “aspeto tumoral” já é uma informação que nós ensinamos à máquina oferendo-lhe inúmeros textos que definem o que é tumor e o que significa essa palavra. A colocação de informação nas máquinas é, pois, a tarefa primária da evolução do “machine learnig”. As máquinas aprendem, suportadas por informação posta ao dispor, carregando o viés que os produtores de informação desejarem. A isto chamarei a “fake learning”.

Desta construção de aprendizagem falaciosa vivemos já em muitos campos do conhecimento. Há palavras que não estando colocadas em determinados discursos invalidam conclusões. Cada vez que invalidamos uma conclusão, reduzimos a realidade e projetamos um amanhã mais fechado. Há milhares de indesejados pensamentos que um dia se tornaram conclusões firmes e indiscutíveis. Está neste campo o infindável desígnio da fé, as convicções das religiões, em confronto com a determinação de uma vida mais igualitária e justa. As mulheres do Irão não gozam dos privilégios das mulheres alemãs. Uma máquina viciada, construída das premissas iranianas, recuaria a civilização ocidental em milénios de lutas por direitos humanos.

O “fake learning” está embutido em muito do que consideramos ser protocolos, ou guias para atuação padronizada. Claro que eles servem para trazer igualdade e supostamente melhorar atuações em relação a determinados objetivos. Mas todos os padrões vão constituir erros grosseiros se a janela de liberdade ou de crítica não for ousada.

Nos últimos meses, diversos crimes cometidos por pessoas desequilibradas e referenciadas, demonstram que as políticas de saúde mental estão a construir problemas sociais graves. Há um padrão de discurso, e uma política, que reduziram internamentos psiquiátricos, adulteraram uma fórmula antiga de compulsão tratadora. Fecharam-se os hospícios, considerou-se errado o internamento compulsivo, constrói-se uma teoria inclusiva e comunitária. O resultado são inúmeros crimes por descompensação psiquiátrica. Agora, com base nesta tese, os doentes psiquiátricos que cometem crimes acabam atrás de barras de presídios. Tidos por inimputáveis deveriam ir para prisões hospital, ou apenas para hospitais específicos, mas esses têm um máximo de 50 camas e falta de quadro médico. Os hospitais psiquiátricos foram entretanto descontinuados como um erro de perceção da nova mentalidade vigente. Assim, vão para instituições da rede de cuidados onde a incapacidade de tratar está patente nos orçamentos disponíveis – baixos, limitativos!

Se colocarmos tudo isto para a Inteligência Artificial decidir, sai um texto carregado de palavras lindas como inclusão, sustentabilidade, recursos, modernamente, verificação de “outcomes”, mas onde as soluções estão limitadas porque Júlio de Matos, Sobral Cid e outras experiências, não são sequer colocadas como alternativa. O viés de retirar conhecimento para produzir decisões.

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Diogo Cabrita

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