Conflito, indiferença, ilusão e morte

Escrito por Jorge Noutel

“As armas exigem guerras e as guerras exigem armas, e os cinco países que governam a Organização das Nações Unidas, nomeadamente através do poder de veto, acabam também por ser os cinco principais produtores de armas.”

Eduardo Galeano (1940-2015) foi um escritor e jornalista uruguaio, autor do livro “As Veias Abertas da América Latina”, uma obra que faz uma análise sobre a exploração económica da América Latina desde os tempos do período colonial. A conquista pelos europeus do espaço indígena, passando pela exploração dos recursos e pelo extermínio dos povos nativos, é o tema central da obra de Galeano. A publicação de “Veias Abertas” condenou-o à prisão e forçou o seu exílio na Argentina. A sua voz alimentou o fogo de movimentos contestatários, ecoou entre o nevoeiro do Chiapas, em 1996, e entre os indignados de Madrid, em 2011.
Eduardo Galeano, referindo-se à guerra, disse: «Nenhuma guerra tem a honestidade de confessar que eu mato para roubar, as guerras invocam sempre nobres motivos, matam em nome da paz, em nome de Deus, em nome da civilização, em nome do progresso, em nome da democracia, e se por via das dúvidas se nenhuma das muitas mentiras não for suficiente, aí estão os grandes meios de comunicação dispostos a inventar novos inimigos imaginários para justificar a conversão do mundo num grande manicómio e um imenso matadouro».
Em “Rei Lear”, Shakespeare escreveu que neste mundo os loucos guiam os cegos. Quatro séculos depois os senhores do mundo são loucos e apaixonados pela morte, tendo transformado o mundo num lugar onde a cada minuto morrem de fome ou doença curável dez crianças, e a cada minuto se gastam mais de três milhões de euros na indústria militar que é uma fábrica de morte.
As armas exigem guerras e as guerras exigem armas, e os cinco países que governam a Organização das Nações Unidas, nomeadamente através do poder de veto, acabam também por ser os cinco principais produtores de armas. Até quando a paz mundial estará nas mãos daqueles que fazem o negócio da guerra? Até quando vamos continuar acreditando que nascemos para o extermínio do mútuo? E que o extermínio do mútuo é o nosso destino? Até quando?
As palavras de Eduardo Galeano deviam obrigar-nos a refletir sobre os caminhos que a Humanidade continua a trilhar, sempre com o objetivo único de exterminar todos os povos mais fracos. Foi assim ao longo dos séculos, sendo isso justificado por muitos dos culpados com teorias evolucionistas, com a lei do mais forte. Querem fazer-nos acreditar que há uma «nova utopia capitalista» baseada no “darwinismo social”, da sobrevivência dos mais fortes, numa sociedade vista como um somatório de indivíduos egoístas, apenas refreados e civilizados pelo nexo-dinheiro, pelo panótico e pelo asilo para pobres.
Teoria do extermínio, isso sim!
Mas se noutros tempos o extermínio ocorria na penumbra do desconhecimento, hodiernamente a comunicação social inventa novos carrascos e novos anjos. Não há nem uns, nem outros. Há apenas criminosos de todos os feitios que procuram a sua dominação não respeitando nada nem ninguém. Somos cidadãos de um mundo governado por loucos. Loucos que buscam na dominação a escravidão dos povos. Pior do que isso, antes de serem loucos já eram gângsteres, gente a quem o poder de fazer mal inebriou e enlouqueceu.
Seja qual for a cor e as justificações do invasor, só haverá exploração, miséria, alienação, guerra e destruição. Assim acontece no terror da guerra no Irão, Iraque, Chile, Líbano, Colômbia, Cazaquistão, Síria, Iémen, e num dos conflitos mais antigos e dramáticos do nosso mundo, a ocupação ilegal e ilegítima dos territórios palestinianos.
Mas a guerra não vem só. A fome, as alterações climáticas que provocam secas extremas, e a falta de recursos de saúde que exterminam raças, como aconteceu no passado em África, na América do Norte, América do Sul e Ásia, são o inferno na terra até para países isentos de conflito militar. Mas destas desgraças pouco ou nada se fala, sobretudo quando alguma guerra ou qualquer outro tema conquistam de forma avassaladora o espaço mediático.
E pior do que tudo isto, as guerras induzem-se umas às outras, mesmo sem qualquer relação direta entre si. Bastou, ao fim de uns dias de dessensibilização emocional causada pela vulgarização dos ataques a civis na Ucrânia, que decaíssemos para um inferior patamar de humanidade e de revolta, para de imediato a Arábia Saudita aproveitar o embalo e recomeçar a bombardear o Iémen…
No limite, um dia as pessoas admirar-se-ão… quando não houver guerra!

Sobre o autor

Jorge Noutel

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