A churrasqueira, com portas para duas ruas, situa-se num dos gavetos ao longo da linha que separa a teia de avenidas centrais da capital de um dos seus bairros. Apesar da denominação, vende mais do que churrascos e a comida até nem é má. Não será por isso de estranhar que a concorrência, em tempos de confinamento com os restaurantes todos fechados, tenha aumentado exponencialmente. O que, já se vê, dificulta o estacionamento à clientela que lá se vai enfileirando em segundas e terceiras filas para desespero de quem não quer ficar ad aeternum a olhar para os vermelhos dos semáforos circundantes. Como para estas situações, pensava eu, existem as polícias, não estranhava que por entre tão caótico estacionamento vislumbrasse sempre uns pirilampos, apagados é certo, de uns carros da polícia. Do alto do meu alegado provincianismo, pensava sempre que algum condutor bloqueado lhes havia pedido socorro para sair dali e até me esqueci que os polícias também comem. Então, lá por se ser polícia não se havia de comer? Ao contrário do que à primeira vista me tenha parecido, não costumam estar por ali parados para resolver qualquer problema de estacionamento. Costumam estar ali porque é ali que costumam ir comprar o almoço e o jantar. Não nego que o facto me deixou logo muito mais tranquila quanto a vários aspetos que me suscitavam alguma apreensão. Ali a comida, além de boazinha, deveria ter alguma qualidade e as regras para o período em que vivemos seriam provavelmente um bocadinho mais respeitadas do que as do estacionamento. Qual, quê? À frente do balcão, desvio-me do cliente, sem máscara, que à minha direita tagarelava com um dos empregados, igualmente sem máscara, viseira ou o que quer que fosse, enquanto esperava pelo pedido. À minha esquerda, um dos polícias, fardado e com viseira a rigor, fazia o mesmo com o outro empregado. Assim ladeada e sem ter empregado com quem conversar, porque, além de não ter tema, o dito cujo tinha ido à cozinha em busca do que lhe pedi, pensava em tudo o que ali não tinha ar nenhum de estar a correr como devia. Confesso que me considerei um tanto picuinhas, mas não consegui evitar pensar no que poderíamos ser, caso não fossemos, mesmo no que à nossa segurança diz respeito, assim tão devotos do fator sorte.
Depois, lembrei-me do jeito que temos para nos sacudirmos de responsabilidades e até já nem picuinhas me achei. Afinal, no caso do que à Covid-19 diz respeito, se as coisas correrem menos bem, teremos sempre uns ministros e uns diretores para culpar. Já no que respeita às quezílias de trânsito e estacionamento, podemos sempre arrogar-nos o direito de achar que a culpa é só dos outros. Nós, excetuando todas as vezes que não cumprimos, respeitamos sempre todas as regras. As de trânsito e as sanitárias. Sem esquecermos, claro está, depois de agradecer aos que são pagos para tratar das normais vicissitudes dos cidadãos, polícias incluídos, nomeando-os heróis do funcionalismo. Cantando e aplaudindo, atenuamos pelo menos duas coisas: os nossos remorsos e eventuais óbices à felicidade plasmados nos respetivos estatutos laborais.