Há coisas que todos os dias nos surpreendem. Não por acontecerem de forma espontânea e natural, mas sim porque ganham dimensão calculista e artificial. A convicção baseada em princípios e valores dá lugar, ao chamado oportunismo militante que, no turbilhão das possibilidades, não olha a meios para atingir os almejados fins.
Neste conturbado mundo tudo parece funcionar segundo as circunstâncias onde a ficção é levada ao mais alto nível, o cinismo e a hipocrisia fazem parte integrante da tal irmandade (todos diferentes, todos iguais) e a política não é só personificada na figura que Rafael Bordalo Pinheiro imortalizou no barro, mas também naquela outra em que uma quantidade substancial de leitões, de cor distinta, vai mamando alternadamente nas tetas da porca parideira. O caminho a seguir tem objectivos concretos e específicos confundindo-se a beira da estrada com a estrada da beira e a ascensão ao topo da montanha se faz com um único passo em vez de ser alcançada com um passo de cada vez.
Podemos assim afirmar que tudo possa estar escrito nas estrelas ou na outra perspectiva, dos mais cépticos, o destino contará sempre com os tais dois fatores (determinismo e fatalismo) que orientarão a vida de cada um de nós. Se calhar, uns e outros têm a sua dose de razão, pois segundo o ditado popular, “a vida é o que podemos ser” tendo em conta as possibilidades oferecidas, sem esquecer todos os contornos das circunstâncias que se alteraram ao longo do percurso.
Dizia Ortega y Gasset: «Eu sou eu e minha circunstância», percebendo-se que aqui está implícito o homem, a sua existência e o seu conceito do mundo, e, segundo Stefan Zweig, esse mundo específico (o da política) é seguramente o mais baixo e o mais terreno onde, tantas vezes, os protagonistas/atores se moldam de forma líquida ao recipiente que mais lhes convém. Dizer uma coisa e fazer outra. Assumir em lugar específico determinada postura e, logo de seguida, adotar posição completamente antípoda, faz com que o “bom” político seja aquele que diz coisas iguais em lugares diferentes e coisas diferentes no mesmo lugar, existindo recentemente alguns populistas que chegam ao extremo de dizerem de manhã uma coisa, à tarde outra e à noite o contrário do que afirmaram de manhã.
Os exemplos que aqui poderia trazer são mais que muitos, sobejamente conhecidos, veja-se apenas o que aconteceu no passado fim-de-semana em França e o quer poderá ainda ocorrer na segunda volta do próximo domingo e, já agora, nesta panóplia de circunstâncias constatar que quem se lixa sempre é o mexilhão. Alberto Pimental explica isso muito bem. Finalmente, olhar para o Frei Tomás (não o de Torquemada do sistema, mas o outro), para percebermos que a circunstância nos obriga a não alinharmos com eles nas suas conveniências, naquilo que é sem dúvida o melhor de todos os conselhos “faz o que ele diz, não faças o que ele faz”. É que entre outras coisas o comportamento dessa gente não é ético, está desprovido de moral e não tem nada de bonito…
Circunstâncias
“Assumir em lugar específico determinada postura e, logo de seguida, adotar posição completamente antípoda, faz com que o “bom” político seja aquele que diz coisas iguais em lugares diferentes e coisas diferentes no mesmo lugar (…)”