Desde a adesão à União Europeia que, progressivamente, fomos inundando o nosso léxico com siglas e acrónimos. Não tenho dúvidas que o fenómeno linguístico está relacionado com o histórico. Com essa opção tentámos imprimir ao nosso discurso um pendor mais institucional e tecnocrático, compaginável com o espírito dos tempos.
O problema é que tudo o que as siglas ganham em suposta sofisticação perdem em poder agregador. A combinação das letras “ACT” pode criar um respeito inegável, mas jamais unirá gente em seu redor, como fazem as palavras “escola”, “aldeia” ou “jantar”.
Vem isto a propósito das CIM, as Comunidades Intermunicipais, que foram criadas em 2013 e, em Portugal, correspondem às NUT III (como é difícil fugir à siglinguagem!). As CIM são associações de municípios não-metropolitanos que têm, atualmente, uma influência crescente na vida quotidiana dos cidadãos. É no âmbito da CIM, por exemplo, que se delineia a rede de oferta formativa, que se determina a aplicação de certos fundos europeus, ou que é feito o planeamento de serviços como os transportes públicos. Todavia, grande parte da população não sabe o que é uma CIM ou a que CIM pertence o seu município (ao contrário dos distritos, que toda a gente conhece, mas têm cada vez menos relevância prática).
Pessoalmente, simpatizo com o conceito de CIM, baseado na horizontalidade, em que as decisões devem partir dos representantes eleitos localmente pelas comunidades, ao invés de serem disparadas diretamente de Lisboa. O problema é mesmo a sigla. CIM é, para o cidadão, algo tão distante e frio como DGAL ou INCM.
Devíamos passar a chamar às CIM “Comunidades”. Usar, completa, a primeira palavra da sigla. Acima de tudo porque é isso que, de facto, se pretende que estas estruturas criem: comunidades de instituições de concelhos vizinhos que representam pessoas cujas vidas, cada vez mais, têm que ver umas com as outras. Pessoas que “interinvestem”, que “intercomercializam”, que “interestudam”, que “interpasseiam”, que se” interempregam”, que se “interdivertem”, que se “interassociam”. Pessoas que vivem “intermunicipalmente”.
Melhor ainda seria passar a chamar-lhes “Cidades Intermunicipais”. Isto é, cidades dispersas. Cidades constituídas por municípios com campo no meio. Porque é que uma cidade há de ser sempre, e para a eternidade, uma comunidade de pessoas obrigatoriamente amontoadas? Porque é que não poderá haver cidades de contexto rural? Porque é que a “cidade” não pode ser simplesmente um espaço (disperso ou concentrado) partilhado por cidadãos livres e civicamente ativos? Haveria, num país como o nosso, cidades metropolitanas e cidades intermunicipais. Urbes alternativas.
Nesse caso viveríamos numa cidade com 236.000 habitantes1. Uma cidade com quatro hospitais públicos, com uma universidade e um politécnico. Com Aldeias Históricas e dezenas de castelos. Uma cidade com uma magnífica catedral gótica. Uma cidade com um festival de cinema ecológico. Uma cidade com termalismo. Uma cidade transfronteiriça. Uma cidade cujo monumento-maior é a montanha mais icónica de Portugal. Uma cidade também com desequilíbrios e a precisar de coesão (tal como as cidades metropolitanas). A cidade de onde saíram personalidades como Pedro Álvares Cabral, Eduardo Lourenço ou Vergílio Ferreira. A cidade de origem do Secretário-Geral das Nações Unidas. A cidade das Beiras e Serra da Estrela.
Muito especulativo? Eu sei. É verdade. Por isso proponho, para já, que fiquemos pelo meio termo. Pelo não à “CIM” e pelo sim à “Comunidade”. A comunidade que somos e que podemos vir a ser. A única forma de viabilizarmos o nosso futuro.
CIM não!
“(…) proponho, para já, que fiquemos pelo meio termo. Pelo não à “CIM” e pelo sim à “Comunidade”. A comunidade que somos e que podemos vir a ser. A única forma de viabilizarmos o nosso futuro.”