A “agenda mediática” na Guarda foi capturada, nos últimos dias, pela convocatória de uma Assembleia Municipal extraordinária em tempos de confinamento.
A presidente da mesa, Cidália Valbom, com uma agenda própria, que vai muito para além dos pressupostos do normal funcionamento de uma Assembleia Municipal, convocou os deputados municipais para um “debate temático” convidando pessoas, estranhas à Assembleia, a fazerem uma preleção sobre como “perspetivar o futuro” (Ponto único da Convocatória).
Estranhamente, só o CDS se manifestou contra. Os demais partidos, com saudades do bulício político, olharam para a sessão extraordinária como uma oportunidade para terem palco e nem deram conta que a assembleia tinha um ponto único, acrescido de uma invocação laudatória pelos 15 anos do TMG. Pior, parece que não conhecem o regulamento e as funções de uma assembleia municipal e misturam os pressupostos do debate político e partidário, de fiscalização e vigilância, de controlo e aprovação das grandes opções com um debate temático protagonizado pelos conferencistas e a moderadora. Cidália Valbom faz muito bem em promover “debates temáticos” e “perspetivar o futuro” (seja lá do que for – o futuro dos papagaios, dos gatos persas ou dos comerciantes arruinados pela pandemia), mas para isso deve organizar eventos temáticos ou conferências. Uma Assembleia Municipal é um concílio de representação democrática dos cidadãos de um concelho, não é uma conferência (e só deve chamar especialistas e preletores quando o debate político necessita de um conhecimento mais aprofundado sobre uma matéria especifica sobre a qual é necessário decidir e votar). Por outro lado, e antes de pensar em assembleias extraordinárias, a presidente da Assembleia Municipal deveria ter convocado uma Ordinária para discutir as contas do município, as medidas de resposta ao Covid-19 e a atualidade do concelho, o que não fez pois estão proibidas pelo confinamento. No Porto, por exemplo, houve uma extraordinária no dia 12, mas por videoconferência com os líderes dos diferentes grupos parlamentares para deliberar sobre a 1ª Revisão Orçamental do ano e mais cinco pontos sobre regulamentações no contexto das medidas contra a pandemia – a urgência dessas deliberações obrigava à sua realização.
A presidente convocante, para supostamente cumprir as medidas da DGS, pediu o TMG para a realização da assembleia. Num estado de calamidade em que os miúdos não podem jogar à bola, as beatas não podem ir à missa, e são proibidos «eventos ou ajuntamentos com mais de 10 pessoas» a Extraordinária teria, pelo menos, 100 pessoas, entre deputados e convidados (até a presidente da ULS terá confirmado a sua presença esquecendo-se das regras em vigor). O TMG estará encerrado até dia 1 de junho, de acordo com o Plano de Desconfinamento aprovado em Conselho de Ministros, mas o vice-presidente autorizou «verbalmente» que ali fosse realizada a assembleia (que também seria transmitida por streaming) – cerca de oito mil euros de custos a suportar pelo erário público para Cidália Valbom lançar as bases de uma putativa candidatura à Câmara da Guarda: o circo estava montado. E foi então que Chaves Monteiro, responsável máximo da Proteção Civil concelhia, percebeu o que o seu vice não enxergou ou não quis ver e atuou em conformidade: desautorizou Victor Amaral e proibiu a reunião magna que já brilhava nos olhos cintilantes de Cidália Valbom.
Na manhã seguinte, sábado, às oito horas, ainda os mais confinados davam mais uma volta num leito que não querem abandonar, e já os seguidores da presidente da Assembleia Municipal partilhavam nas redes sociais comentários sobre a entrega de máscaras por Carlos Chaves Monteiro no Mercado Municipal e punham a circular fotografias de um ajuntamento (ao ar livre) de dezenas de pessoas que se perfilaram para comprar merujes e grelos frescos do vale do Mondego – era a vingança dos opositores de Chaves Monteiro. O presidente da Câmara e comitiva só chegaram ao mercado, para oferecer máscaras, muito depois das dez, mas a essa hora já o Facebook tinha declarado que para os lados do Mercado cheirava a campanha. Se os que ali foram simplesmente comprar uns “jaquinzinhos” e uns tomates frescos ficaram impressionados com a fila para a hortaliça do vale do Mondego, que contornava o edifício e deixara para trás os brindes eleitorais em forma de máscara, os que despertavam com um olho posto nas redes sociais interiorizavam no seu confinamento que milhares de pessoas faziam fila para receber uma máscara. Tivessem saído da cama mais cedo e teriam percebido a patranha, mas como nos ensinou Winston Churchill, «uma mentira dá uma volta inteira ao mundo antes mesmo de a verdade ter oportunidade de se vestir».
Os epifenómenos conjunturais impedem quase sempre as comunidades de discutir seriamente o que seja, quanto mais o futuro. E como é evidente, o tempo perdido com o assunto, em especial pelo presidente da Câmara, não deixam tempo para fazer avançar a cidade. Cidália Valbom diria depois que o presidente da Câmara é um prepotente, mas bonito, bonito, era a Assembleia Municipal extraordinária ter sido mantida e a PSP ter lá ido identificar os prevaricadores e mandar para casa toda a gente – fazendo cumprir a lei. E enquanto o PSD se divide em três (ou dois), o PS fica à espera que o circo pegue fogo e o poder lhes caia no regaço – sem se mexer, sem falar ou sequer pestanejar. A política tem de ser mais do que isto, uma feira de vaidades e egos. E ainda mais em tempo de crise.