O Portugal moderno tantas vezes anunciado, e que tantas vezes ambicionamos, esbarra quase sempre contra o muro da realidade. Um país europeu, que quer viver como os europeus; um Estado de bem-estar com qualidade de vida; uma sociedade equilibrada, culta e desenvolvida; um país seguro e sossegado; um Portugal destino de turistas de todo o mundo; um território a descobrir com boas vias e infraestruturas de qualidade; um Portugal com saúde e educação para todo; um estado de direito, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e independência dos poderes… Tudo isto, não é pouco! Mas Portugal não consegue estar entre os 30 países mais desenvolvidos do mundo. E vai perdendo lugares num ranking que, não sendo absoluto, compara com muitos outros países que conseguem ser mais ambiciosos e assertivos nas medidas de promoção do desenvolvimento. E por isso, cada vez que pensamos que somos um país rico e desenvolvido… batemos contra o muro da realidade.
E batemos contra o muro da realidade quando somos impotentes no combate aos incêndios, como em 2017, e vemos como o fogo destrói milhares de hectares de floresta e mata mais de 100 pessoas; ou quando não chove e a seca assusta todos, mas não sabemos gerir ou armazenar a água quando chove; ou quando não conseguimos resolver os problemas da falta de médicos por todo o país; ou quando andamos 50 anos à procura de uma localização para um novo aeroporto e não conseguimos concretizar esse desiderato coletivo; ou quando não conseguimos aumentar a produtividade, nem diminuir o absentismo…
O salário mínimo em 1977 era de 22,4 euros, em 1985 de 95,89, em 2000 de 318,20, e em 2010 era de 475 euros (Pordata). Hoje é de 705 euros. O salário médio, que será hoje de 1.042 euros (ano 2020 – Pordata), parece que cresceu 23 por cento nos últimos seis anos, mas todos achamos que continuamos mal pagos… e ficamos perplexos quando o primeiro-ministro fala de aumentos extraordinários, quando vemos que a conjuntura se vai agravar, os juros da dívida disparam, a inflação veio para ficar, a guerra na Ucrânia vai durar, os sindicatos vão voltar à rua, num país que não faz reformas e onde Lisboa é a cidade rica que olha com desdém para o resto do país (basta ler assiduamente a cronista Carmo Afonso, na última página do “Público”, onde fala do horror do país fora de Lisboa e há algumas semanas até comparava os homens «da serra» aos taliban, dando voz ao proselitismo bloquista).
O turismo representa quase um quinto do PIB, mas em vez de aproveitarmos o filão, até para melhorarmos o nível de vida dos portugueses e investirmos na modernização de outros sectores, em Lisboa o turismo já é tratado como uma praga – e nem é preciso ouvir a cantilena do Movimento LX; a gestão displicente da construção do novo aeroporto de Lisboa, em que preferimos a vergonha de ter um aeroporto a rebentar pelas costuras, a impedir o fluxo normal de turistas, em vez de termos uma infraestrutura aeroportuária que classifique e contribua para o desenvolvimento do país (antes por incompetência política, depois por dificuldade técnica e ambiental na decisão, que existirá sempre, depois por maldade dos autarcas comunistas dos concelhos que vetaram o avanço do projeto, agora por anedota partidária numa rixa entre PS e PSD para revogar a lei que permite esse veto); em 2022 Portugal não tem ligações ferroviárias internacionais (a ligação Porto-Vigo é uma laracha regionalista) – suspendemos o Sud Express, que durante dezenas de anos “nos ligava a Paris”, transportava os nossos emigrantes e trazia turistas ao interior, e o Lustânia que nos levava até Madrid (nos últimos tempos pela linha da Beira Alta); o distrito da Guarda é rico em lítio, que deve ser explorado, com regras e cuidados ambientais, mas há muitos que legitimamente contestam a sua extração e processamento (para concentrado de espodumena, pois a mobilidade elétrica é imparável e a procura de baterias de ião-lítio vai ser vertiginosa durante 20 a 30 anos, depois perde-se a oportunidade…) – ou aproveitamos ou continuaremos a chorar que somos pobres.
Bater contra o muro da realidade é isto e muito mais… é ter a pior das sensações: é sermos um país miserável, sem sentido de Estado, que decide sempre ao contrário do que era preciso em nome de todos.
Bater com a cabeça contra a parede
“Bater contra o muro da realidade é ter a pior das sensações: é sermos um país miserável, sem sentido de estado, que decide sempre ao contrário do que era preciso em nome de todos”