“O passado passou. O presente agoniza”. Estas palavras de Miguel Torga podem ser uma legenda adequada para a imagem atual dos emblemáticos pavilhões do antigo Sanatório Sousa Martins.
Recentemente líamos, nas páginas deste jornal, que tinha sido equacionada a decisão de transferir os serviços da Unidade Local de Saúde “A Ribeirinha” para o pavilhão D. António de Lencastre (e não Filipa de Lencastre como por vezes aparece nalgumas publicações ou declarações públicas…), após a necessária recuperação e adaptação.
Esperemos que a ideia não seja mais uma das intenções manifestadas a propósito da recuperação dos degradados edifícios do antigo Sanatório Sousa Martins (SSM), sem concretização objetiva. Aliás, ao longo de décadas, têm sido apresentadas várias soluções. Recordemos, a propósito o artigo de Martins de Queirós (o último diretor do SSM) publicado em 15 de dezembro de 1986, no jornal “Notícias da Guarda”, sob o título “A respeito da Saúde na Guarda – carta aberta à Senhora Ministra da Saúde”.
Referindo-se à reconversão do Sanatório, defendia a utilização das infraestruturas daquela unidade de «modo a que, nesta área de 27 hectares, se exercessem todas as disciplinas médico-sanitárias», pensando esse espaço como «Cidade-Saúde». O projeto daquele clínico tinha subjacente a sua permanente preocupação pela «procura de soluções para que os Serviços constituíssem fonte de dignificação e prazer para quem os presta e uma esperança reconfortante para quem os recebe».
Martins de Queirós retomou, no mês seguinte, a explanação das suas ideias, no “Notícias da Guarda”, em artigos como “A Guarda à procura do hospital que lhe é devido” e “Ainda a propósito de Saúde”; neste último texto defende o projeto de um Centro Policlínico a instalar no Pavilhão I, do ex-Sanatório Sousa Martins.
Ainda em dezembro de 1986, Arminda Cepeda (administradora hospitalar), num artigo intitulado “Hospital Distrital da Guarda poderá passar para categoria inferior”, interrogava-se sobre o «que é feito do Plano Diretor para o nosso hospital, plano que previa o seu alargamento e junção de instalações, gizado e concebido há mais de 10 anos e que “jaz” nas gavetas dos gabinetes ministeriais, só porque “não há verbas, enquanto outros hospitais, já de grande porte, se vêem contemplados com obras de ampliação, no mínimo, megalómanas?»…
Decorridos estes anos, todos sabemos como tem sido a evolução do processo da nossa unidade hospitalar e, sobretudo, o sucessivo adiamento de um plano de recuperação e de utilização, adequada, dos antigos pavilhões do Sanatório, mormente dos edifícios Rainha D. Amélia e D. António de Lencastre.
Daí que se justifique, mais uma vez, sublinhar a importância da preservação do património de uma cidade que esteve na vanguarda da luta contra a tuberculose.
Tanto mais que no próximo dia 18 de maio ocorrerá a passagem do 115º aniversário da inauguração do Sanatório da Guarda, que foi – repetimos – uma das principais instituições de combate e tratamento da tuberculose em Portugal. A designação de “Cidade da Saúde”, atribuída à Guarda, em muito se fica a dever à instituição que a marcou indelevelmente, ao longo de sete décadas, no século passado. A Guarda foi, nessa época, uma das cidades mais procuradas do nosso país; a afluência de pessoas deixou inúmeros reflexos na sua vida económica, social e cultural.
A sua apologia como localidade «eficaz no tratamento da doença» foi feita por distintas figuras, pois era «a montanha mágica» junto à Serra. Muitas pessoas (provenientes de todo o país e mesmo do estrangeiro) subiam à cidade mais alta de Portugal com o objetivo de usufruírem do clima de montanha, praticando, assim, uma cura livre, não sendo seguidas ou apoiadas em cuidados médicos.
As deslocações para zonas propícias à terapêutica “de ares”, e a consequente permanência, contribuíram para o aparecimento de hotéis e pensões. Isto porque não havia, no início, as indispensáveis e adequadas unidades de tratamento; uma situação que originou fortes preocupações nas entidades oficiais. No primeiro Congresso Português sobre Tuberculose, o médico Lopo de Carvalho tinha já destacado os processos profiláticos usados na Guarda.
Este médico foi um dos mais empenhados defensores da criação do Sanatório guardense (do qual viria a ser o primeiro diretor), que seria inaugurado a 18 de maio de 1907, com a presença do rei D. Carlos e da Rainha D. Amélia.
O fluxo de tuberculosos superou, largamente, as previsões, fazendo com que os pavilhões construídos se tornassem insuficientes perante a procura.
O Pavilhão 1 teve de ser aumentado um ano depois, duplicando a sua capacidade. Um novo pavilhão foi acrescentado, em 1953, aos três já existentes.
O Sanatório Sousa Martins ganhou, consequentemente, maior dimensão e capacidade de tratamento dos tuberculosos. Anotar a vergonhosa realidade dos antigos pavilhões e a passagem dos 115 anos após a inauguração deste Sanatório não é um mero exercício de memória ritualista. É evidenciar o estado lastimoso em que se encontra o património físico de uma instituição com merecido relevo na história da saúde em Portugal.
Um Santório ligado à solidariedade, à cultura e à história da radiodifusão sonora portuguesa, mercê da emissora aqui criada (Rádio Altitude). É mais do que tempo para soluções e iniciativas concretas, em prol da reabilitação e aproveitamento desta memória, agonizante, no centro da cidade mais alta de Portugal.
A propósito dos pavilhões do Sanatório…
“Referindo-se à reconversão do Sanatório, defendia a utilização das infraestruturas daquela unidade de «modo a que, nesta área de 27 hectares, se exercessem todas as disciplinas médico-sanitárias», pensando esse espaço como «Cidade-Saúde». “