O interior, enquanto território, é particularmente enfatizado em períodos de ambiente eleitoral, no decorrer dos quais são lançadas expetativas e reeditadas promessas.
As suas características e potencialidades são, repetidamente, evidenciadas, mas os sublinhados feitos esmorecem rapidamente com o avanço no calendário dos decisores. Há exceções, mas ficam subtraídas no confronto com a análise e implementação global de projetos anunciados, ou na morosidade do seu desejado desenvolvimento.
Têm sido vários os contributos – vertidos em textos e publicações – em distintas áreas de intervenção e saber que apontaram ideias, caminhos, planos, soluções para a rentabilização e promoção das nossas multifacetadas realidades.
Desde logo para a identidade e perfil da mais alta cidade de Portugal, lembrada pela sua história, pelos seus monumentos, por instituições marcantes no seu desenvolvimento, pela pureza do seu ar, pelo clima ou por personalidades a ela ligadas, que se distinguiram/distinguem na ciência, literatura, arte ou pensamento.
Contudo, muito pouco se tem falado na geologia da Guarda e no campo de conhecimentos que se abre nesta matéria e pode/deve ser mais um relevante meio de atrair as atenções sobre a cidade e região. Daí que seja oportuno, e justo, falarmos do artigo publicado por Elsa Salzedas no último número da revista “Praça Velha”, editada pela autarquia guardense.
Começando por lembrar que a Geomorfologia «foi, desde sempre, um elemento de destaque na região da Guarda, tendo condicionado a sua localização e o povoamento que foi sendo feito a partir da zona de maior altitude”, a autora elucida que “ao explicar-se aos cidadãos a geologia num contexto urbano, pretende-se valorizar a pedra, a partir do conhecimento científico e destacar a sua enorme importância para a natureza e para a humanidade».
Elsa Salzedas argumenta que «a rocha local é um bem extremamente valioso, não só do ponto de vista científico, mas ainda arquitetónico, económico e histórico».
Com conhecimento e objetividade, a articulista interpela-nos se esta «dura» realidade tem sido devidamente valorizada. A resposta não é difícil… Não temos dado a importância devida ao nosso granito, suporte de uma perene identidade, marca de um território.
«A Guarda é – escreve Elsa Salzedas – uma enorme pedreira de granito, de onde se extraiu a pedra utilizada nas construções antigas e recentes, nos monumentos medievais, barrocos e modernos, nos edifícios públicos, no castelo, nas muralhas, em estátuas, em pavimentos, etc.». Deixa, seguidamente, uma interessante e exequível proposta que deverá merecer a devida atenção por parte das entidades e serviços em cuja área de influência se enquadre esta ideia; ou seja a definição de vários percursos geológicos urbanos que «seduzissem todos os cidadãos, pela partilha do conhecimento simples, mas com rigor científico, levando-os a amar a sua região e a admirar a evolução da utilização do granito ao longo dos estilos arquitetónicos, numa abordagem integrada e holística».
Deseja-se, assim, que (escreve a concluir o seu artigo) o cidadão seja despertado e levado a «amar mais e proteger esta região, das mais exclusivas do país, sentindo-se fortemente identificado e orgulhoso com o seu território».
Este orgulho no espaço geográfico onde vivemos, alicerçado num permanente empenho da valorização das nossas terras e suas especificidades, é fundamental para o desenvolvimento de uma intervenção cívica, para uma postura de eficaz crítica construtiva e espírito reivindicativo, balizado pelo interesse coletivo.
A proposta atrás referida é mais um interessante caminho para partirmos à (re)descoberta da cidade, conciliando-a com outros roteiros citadinos em torno de referências/ligações com ilustres figuras da literatura, da arte, da ciência, religião, vida militar, saúde e solidariedade social; será um encontro com a Guarda culta, de que falava J. Pinharanda Gomes num dos seus livros, esclarecendo que «a culta é de certo modo oculta, porque a imediateidade quotidiana nos inibe de viajar para além do visível».
Haja determinação, planificação responsável, cooperação, rentabilização dos recursos humanos e financeiros, aposta nas capacidades existentes e estratégias claras para incrementar o estudo e a divulgação da cidade e do território onde se insere.
Uma desejada evolução que terá de contar com a predisposição e disponibilidade de todos, que sintam e vivam a região, pois não haverá novas realidades se continuarmos «socialmente, uma coletividade pacífica de revoltados», na elucidativa expressão de Miguel Torga.
Sejamos, pois, firmes como rochas (lembrando a conhecida divisa ostentada por uma antiga unidade militar que aqui esteve sedeada) na defesa, estudo, desenvolvimento e promoção da(s) nossa(s) terra(s).
A propósito de percursos geológicos urbanos
“A resposta não é difícil… Não temos dado a importância devida ao nosso granito, suporte de uma perene identidade, marca de um território.”