A propósito da Prisão Sanatório…

Escrito por Hélder Sequeira

“No mapa nacional dos serviços prisionais, a mais alta cidade portuguesa ficava dotada com uma estrutura ímpar, enquadrada na propalada «revolução no espírito e na orgânica», fomentada e defendida pelos dirigentes políticos da época.”

Os edifícios da antiga Prisão Sanatório e da Cadeia Comarcã, como outros na Guarda, não podem ser dissociados do estudo da evolução citadina na segunda metade do século passado. As referidas estruturas devem ser valorizadas e estudadas face ao papel que desempenharam durante muito tempo; sobretudo a Prisão Sanatório pelo facto de ter sido pioneira em Portugal.
A construção de prisões-sanatório para o internamento dos presos condenados a qualquer pena privativa de liberdade, «que sejam tuberculosos ou predispostos para a tuberculose e necessitem de um tratamento compatível com um regime moderado de prisão», tinha sido já considerada na reforma dos serviços prisionais definida em 1936, através do Decreto-Lei nº 26643, de 28 de maio.
A necessidade de serem criados estabelecimentos prisionais com este perfil ficava sobejamente justificada face aos «graves e visíveis» inconvenientes do internamento de presos com tuberculose «nas prisões comuns». Por outro lado, e como era referido no mencionado texto legal, «também não parece recomendável o internamento dos presos doentes nos sanatórios ou nas outras instalações destinadas a tuberculosos em geral (…)»; daí que a opção tenha sido pela «criação de uma prisão especial».
Edifício que, como era sublinhado, foi construído «junto de um sanatório em funcionamento, com o principal intuito de, no interesse do Tesouro Público, aproveitar o material e o pessoal especializado pertencente a esse estabelecimento».
Era igualmente anotado que a Prisão Sanatório da Guarda tinha «características novas dentro dos serviços penitenciários e que vai funcionar também em novos moldes, através do regime de colaboração a estabelecer com o Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos». O Decreto-Lei nº 40231, de 6 de julho de 1955, veio dar «existência jurídica» à Prisão Sanatório da Guarda.
A esta distância temporal, uma alusão ao facto poderá, para alguns, justificar apenas, e com alguma benevolência, um tímido registo de ocorrências do passado. Contudo, importa salientar que a entrada em funcionamento da Prisão Sanatório da Guarda representou mais uma inquestionável afirmação desta cidade – à época – no panorama nacional; isto na sequência de outros importantes serviços ou melhoramentos aqui realizados na primeira metade do século XX.
A escolha da Guarda para a localização desse estabelecimento prisional teve em conta, como já foi dito, a existência do conceituado Sanatório Sousa Martins (inaugurado em maio de 1907) e do seu reputado corpo clínico; aliás, foi ele que assegurou o apoio médico e cirúrgico, no âmbito do protocolo então estabelecido entre o Ministério da Justiça e a Direção Geral de Assistência. Na Guarda teve lugar, neste contexto, a primeira aplicação prática dessa cooperação; atitude similar foi seguida, mais tarde, na Prisão Hospital S. João de Deus, cuja construção terminou muito tempo depois da inauguração do complexo prisional guardense.
A Prisão Sanatório da Guarda – junto à Cadeia Comarcã, inaugurada na mesma data, 29 de janeiro de 1955 – foi edificada para receber os reclusos, de todo o país, portadores de doenças pulmonares. Como noticiou a imprensa citadina, a Prisão Sanatório era um «edifício magnífico, ocupando uma área de 1.100 metros quadrados. Nas suas enfermarias e nos quartos de isolamento, optimamente mobilados, podem albergar-se mais de cem reclusos». O Ministro da Justiça, de então, expressou, na altura, o desejo de «que muitos saiam daqui mais sãos no corpo, sobretudo mais sãos na alma».
No mapa nacional dos serviços prisionais, a mais alta cidade portuguesa ficava dotada com uma estrutura ímpar, enquadrada na propalada «revolução no espírito e na orgânica», fomentada e defendida pelos dirigentes políticos da época.
Por outro lado, ao serem viabilizadas novas instalações para a Cadeia Comarcã da Guarda libertou-se o centro da cidade do «espectáculo desagradável», numa expressão da imprensa local, decorrente da permanência e do contacto com os presos, e asseguraram-se – pelo menos era essa a intenção oficialmente manifestada – novas condições para a desejada regeneração dos reclusos. As duas prisões (e edifícios anexos para os guardas e serviços de apoio) representaram um investimento de cerca de 5.000 contos, verba muito significativa nos tempos (igualmente difíceis no plano financeiro), que decorriam.
A partir de 1971 passou a funcionar nas instalações da Prisão Sanatório o Estabelecimento Prisional Regional da Guarda, até porque «a evolução entretanto verificada nos métodos de tratamento da tuberculose determinou o encerramento daquela unidade prisional», como era evocado no Decreto-Lei nº 359/85, de 3 de setembro, que decretou a extinção da Prisão Sanatório da Guarda.
Apesar das sucessivas alterações, a matriz da Prisão Sanatório da Guarda permanece naquela estrutura que ladeia o atual Parque da Saúde, constituindo um património guardense em relação ao qual temos o dever da memória…

Sobre o autor

Hélder Sequeira

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