“A Leste nada de novo” é o título de muitas crónicas sobre os tempos de conflito que vivemos há 16 meses na Europa (na Ucrânia) – na verdade, é uma divagação do título do best-seller de Erich Maria Remarque, “A Oeste Nada de Novo”, onde o escritor, banido pelos nazis por ter ascendentes judeus franceses, escreve sobre a alma humana e a brutalidade do Terceiro Reich sobre os judeus e outros povos.
É precisamente esta brutalidade, a violência, a crueldade, a desvalorização da vida humana, que assistimos ao longo de meses no Leste. Podemos sempre dizer que a guerra, onde quer que seja, é violência e morte. Mas há regras de conduta básicas em todas as guerras, há um mínimo de humanidade e respeito para com o inimigo, respeita-se a vida mesmo quando se espalha a morte. No Leste não. O conflito na Ucrânia é um terror, é guerra e é morte. Mas aquilo que os mais radicais na Rússia defendem é mais brutalidade, mais desumanidade, mais morte e destruição.
O motim conduzido pelo grupo Wagner na Rússia foi precisamente por causa disso. O líder dos mercenários e antigo amigo e cozinheiro de Putin «defendia há muito uma radicalização do conflito, um ataque mais musculado com todos meios (também os nucleares) para a destruição do opositor». Yevgeny Prigozhin não tem qualquer respeito pela vida, é um homem violento e amotinou-se porque o exército russo, no meio do desastre e do horror da guerra, não escolheu o caminho da destruição massiva, do nuclear e da violência total. Ou seja, por entre os violentos e a violência brutal que a Rússia imprime há 16 meses, há russos ainda mais violentos, mais radicais, mais sanguíneos e mais loucos que Putin.
A tentativa falhada de golpe de Estado do dia 24, com os mercenários do grupo Wagner a pararem a poucas centenas de quilómetros de Moscovo e a fazerem uma inversão de marcha, provavelmente por falta de apoios, mostrou mais uma vez a debilidade da estrutura militar do maior país do mundo, que tem o maior exército, mas que é afinal um gigante com pés de barro que treme com a violência, a loucura e a brutalidade de um agressor como Yevgeny Prigozhin.
A constatação da fragilidade da Rússia, sem ser uma surpresa, é a consequência de meses de invasão da Ucrânia, depois de anos de guerra sem oposição na Crimeia. Mas um gigante como a Rússia não pode ser menosprezado. A sua dimensão, os milhões de habitantes, o subsolo rico, as reservas de petróleo e gás ou o poderio nuclear estão e estarão sempre ao dispor de líderes violentos e belicistas. O perigo vem do Leste. O perigo continuará a vir de Leste.
Enquanto a Ucrânia parece aliviada por causa de um motim que não passou disso, nada mudará no rumo da guerra – ainda que possa parecer –, devemos todos ficar aliviados pela inversão de marcha de Yevgeny Prigozhin. O Kremlin está ocupado por alucinados como Putin, mas se o grupo Wagner não tivesse invertido a marcha por falta de apoios, e tivesse tomado o poder em Moscovo, muito para além do “banho de sague”, imagine-se o futuro da Ucrânia, do Ocidente e da humanidade se alguns “amigos” de Putin, como os violentos como Prigozhin ou o líder checheno Ramsan Kadirov, tivessem ainda mais poder.
Neste momento ainda é cedo para se perceberem as consequências do motim, que nos mostrou o inamovível Putin ser desafiado, mas, mesmo que não aconteça mais nada de substantivo, o que é improvável, esta revolta mostra as fragilidades da Rússia e pode contribuir de forma decisiva para a contraofensiva ucraniana tenha sucesso. A paz… essa continua muito longe.
PS: Os poucos relatos que nos chegam sobre a espiral de venda e consumo de droga e de violência e agressões na Guarda nos últimos dias são perturbadoras. A violência perpetrada, alegadamente, por alunos de uma escola profissional da Guarda em Belmonte é, supostamente, do conhecimento das autoridades, mas parece que toda a gente quer assobiar para o lado e silenciar a selvajaria. A violência e as agressões registadas no S. João, no Bairro da Luz, na Guarda, terão sido motivadas pela facilidade com que a droga voa e se vende entre jovens adolescentes. A Câmara da Guarda, a PSP, as direções das escolas e os pais têm urgentemente de atuar e cerrar fileiras à volta de um problema gravíssimo que se está a viver na cidade, e em especial na noite guardense.