A justiça dos 8 e dos 80

Escrito por Carlos Peixoto

“É claro que a justiça tem de funcionar e de castigar quem age contra o direito. Mas não tem de funcionar, nem antes do tempo nem com a preocupação primeira de dar o exemplo de mão pesada e atuante, arrastando para a lama quem nunca mereceu lá estar.”

Não há quase semana em que não se anuncie aos quatro ventos que políticos eleitos estão a braços com a justiça. Em oposição à politização da justiça, entrámos no que se chama judicialização da política, uma corrente que parece não ter fim e que põe em confronto poderes constitucionais – o judicial e o legislativo/executivo – que lutam incessantemente pelo pódio do quem “manda mais” num país que cada vez manda menos.
A ideia antiga e errada de que os políticos eram intocáveis e ininvestigáveis deu lugar à ideia atual e errada de que são agora “os bombos da festa” nas mãos das policias, do Ministério Público e dos juízes, sempre cirurgicamente apaparicados por uma imprensa que opera quase sempre como as ventoinhas. Passou-se do oito para o oitenta, e isto não augura nada de bom. Como a maioria das pessoas não sabe ao certo o que é um crime de prevaricação, de peculato, de branqueamento de capitais ou de participação económica em negócio, a perceção pública que fica das bombásticas notícias que nos encharcam a cabeça é que tudo é corrupção, compadrio e vigarice. Tal como há maças podres em todos os cestos, também há gente sem escrúpulos em todas a funções ou profissões.
A generalização é, porém, uma monumental injustiça e é, acima de tudo, um barril de pólvora que pode detonar a qualquer momento. Não tarda, quase ninguém quererá exercer funções públicas ou políticas, e os que ainda se disporão ser maltratados e ofendidos em todas as conversas de café ou em “julgamentos de tabacaria”, serão escolhas de segunda linha e sem preparação ou estatuto para o exercício dos respetivos cargos. Isto tem tudo para piorar e a nossa propensão masoquista para ler “tabloides” com manchetes estridentes e para ver reportagens de televisão horrivelmente sensacionalistas, alimenta aqueles que dizem mal de tudo, afasta os eleitos dos eleitores, corrói a democracia e, vá lá (nem tudo é mau!), premeia a Netflix e os “Rabos de Peixe” desta vida, os refúgios úteis e prazerosos de quem já não tem pachorra para nada do que se passa no país.
É claro que a justiça tem de funcionar e de castigar quem age contra o direito. Mas não tem de funcionar, nem antes do tempo nem com a preocupação primeira de dar o exemplo de mão pesada e atuante, arrastando para a lama quem nunca mereceu lá estar. É bárbaro e inaceitável num Estado de bem que quem investiga permita que a comunicação social trucide em praça pública cidadãos que nunca foram constituídos arguidos, nem ouvidos em nenhum processo judicial, imputando-lhes condutas criminais que se colam para sempre à sua pele e a conspurcam sem direito a reparação ou perdão. E é uma tristeza que se acusem e condenem pessoas com base em narrativas inverdadeiras e que se difundam por todo o lado esses gloriosos feitos da justiça como se fossem troféus de um sistema que não tem muito mais para oferecer a não ser atrasos persistentes e entropias permanentes.
A maioria dos cidadãos que nunca passou por isto até pode achar que as instituições estão a funcionar com normalidade e a fazer o que lhes compete. Mas quem tem o infortúnio de ser apanhado nesta autêntica roleta russa fica com uma revolta e com um sentimento de descrédito tão profundos sobre tudo e sobre todos, que só lhe apetece desistir e emigrar. Feitas as contas, ganha quem está nos extremos e só sabe denunciar e protestar, mas perde um país que precisa muito de saber construir e avançar.

* Advogado e presidente da Assembleia Distrital do PSD da Guarda

Sobre o autor

Carlos Peixoto

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