As sondagens que todos os dias nos entram pelos ouvidos e que teimam em não acertar no provável vencedor das próximas eleições (ora apontam para o PS, ora para a AD), abriram a porta para o apelo ao chamado “voto útil”.
Não tenho a certeza disto, mas duvido que uma boa parte do eleitorado saiba o que isso é ou que, sabendo, lhe atribua particular importância na hora de decidir. Do que se trata, na prática, é de uma criação que aposta no discurso da bipolarização do voto em duas forças políticas, que fazem pressão para que as escolhas do povo se concentrem taticamente nelas e não se dispersem por outros partidos, a quem lhes parece que os votos não servem para governar e são, por isso, votos em falso ou votos perdidos. Quem tradicionalmente mais pretende redirecionar o voto da esquerda para si é o PS, que acha que só assim se pode manter no poder, e quem faz o mesmo com o voto da direita é a AD, que acha que só assim pode protagonizar a mudança. O voto útil pretende, pois, priorizar o duelo entre os dois grandes partidos (ou respetivas coligações) e procura comprometer a sobrevivência política dos partidos mais pequenos. Percebe-se a lógica desta argumentação, que até pode vir a sensibilizar uma fatia dos ainda muitos indecisos, mas se ela fosse levada ao extremo e verdadeiramente a sério, não teríamos quase 35% das intenções de voto noutros partidos que não os do arco do poder e, no limite, não existiam mais do que dois partidos no universo democrático português.
Os votos têm motivações muito diversas e quem já decidiu investir num partido que não o PS ou o PSD está-se nas tintas para a utilidade da sua escolha. Atribui antes preferência à sua intrínseca e histórica ligação a outra força política, é “contra o sistema” e quer protestar, é ideologicamente avesso aos partidos do centro, tem mais atração por programas e promessas diferentes, ou pura e simplesmente não cria empatia com um líder (às vezes basta um detalhe como a sua voz, a sua postura ou a sua cara!) e tem antes admiração pela pessoa de um outro de uma força alternativa. Infelizmente, os candidatos a deputados em cada distrito contam muito pouco, e nem sequer são reconhecidos pela maioria do eleitorado como sendo apenas neles que está a votar e não também nos líderes partidários que lhe induzem o voto… O eleitorado que assim pensa dificilmente muda. E não muda também porque sendo as maiorias absolutas uma miragem na atual conjuntura, a quase certeza de que o partido em que vota venha a fazer acordos de governação no pós-eleições com os dois maiores partidos, o deixa com hipóteses reais de determinar os destinos do país na próxima legislatura.
E é aqui que me parece que o voto útil não irá exercer a sua função à esquerda. Pedro Nuno Santos já assegurou que se coligará com o PCP, com o BE e com o Livre se precisar do seu voto para governar. Quer isto dizer que votar no PS ou num desses partidos é exatamente igual, pois se todos vão “casar” a seguir, todos chegarão ao poder independentemente da expressão e da aposta eleitoral em cada um. Já à direita, a questão é mais incerta. Luís Montenegro admitiu que governará com a IL se vier a ser necessário e isso também lhe retira a conquista do voto daqueles que apostarão nesse partido com a convicção de que no dia 11 de março estará coligado com a AD e a coisa vai dar ao mesmo. Já com o Chega, garantiu que não fará nenhum acordo nem que as vacas voem. Esse exercício de risco e de dramatização poderá, de facto, seduzir indecisos atraídos pela mudança, que ficarão tentados a pensar que ou votam na AD e o PS cai, ou votam no Chega e o PS fica, e isso poderá garantir-lhe a vitória no domingo. Resta saber que capacidade terá o partido de André Ventura para travar esta ideia. As relevantes intenções de voto que atingiu até agora, apesar de constituírem um fenómeno, podem, ainda assim, não chegar para evitar a ascensão cor de laranja. É só esperar para ver!
* Advogado e presidente da Assembleia Distrital do PSD da Guarda