A imprensa

Há 25 anos, no final do séc. XX, havia na Guarda pelo menos seis jornais – “A Guarda”, o “Amigo da Verdade”, o “Diário da Guarda”, o “Douro Neve”, o “Nova Guarda” e o “Terras da Beira”. Destes, apenas o “A Guarda”, semanário da Diocese, continua a ser publicado – e já vai em 120 anos! E começávamos o projeto O INTERIOR que sairia para as bancas em 2000.
Há 25 anos, em Portugal, segundo os estudos da Marktest de então, menos de 20% dos portugueses liam habitualmente jornais (na Europa eram mais de 60%). Ainda assim, havia títulos como o “Expresso”, o “Jornal de Notícias” ou a revista “Visão” que vendiam em banca 100 mil exemplares por edição. O “Correio da Manhã” ainda cresceu nesses anos. Num país pobre, com mais de 10% de analfabetos, recém-entrado na União Europeia e com uma jovem Democracia, a imprensa fazia o seu papel e tinha a sua relevância social e cultural ainda que não conseguisse chegar às “massas”. Os jornais eram coisa das elites, do povo educado e formado, num país em que só alguns chegavam ao ensino superior. No distrito da Guarda, alguns dos concelhos tinham mais de 20% de analfabetos, as crianças ainda abandonavam a escola em tenra idade e a emigração (para França) era a porta do futuro para a maioria. Em quase todos os concelhos havia um jornal, um agente de desenvolvimento essencial, que divulgavam as notícias mais importantes dos respetivos territórios e contribuíram decisivamente para a identidade social e cultural dos concelhos. Entretanto, gradualmente as vendas de todos os jornais foram caindo e, no distrito da Guarda, a maioria dos jornais encerraram – se não me equívoco, apenas em cinco concelhos continua a haver alguma publicação.
A crise da imprensa é uma realidade – a imprensa regional ou a nacional. Há quem fale de falta de “imaginação” ou de apoios públicos, mas o grande problema da crise da imprensa tem a ver com a nova realidade da comunicação, o digital, e a gratuitidade: a sociedade habituou-se a ter acesso à informação sem pagar nada; as pessoas, todas, leem nos diversos suportes digitais informação que alguém produziu, com trabalho, que ninguém está disposto a pagar.
Há dias, no contexto do dia da literacia mediática, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou a preocupação do Presidente da República sobre a crise dos media, determinante no escrutínio e na verificação da veracidade das informações, e o crescimento de populismos. Mas muito para além dessa função essencial, a sociedade interiorizou que não tem de pagar para ser informada, é tudo gratuito… e por isso a imprensa não consegue gerar receitas e o trabalho dos jornalistas ninguém o quer pagar!
Este final de ano poderá representar o fecho, por insolvência, do grupo Trust in News – e o desaparecimento da melhor revista portuguesa, a “Visão”, mas também o “Jornal de Letras”, a “Exame”, a “Exame Informática”, a “Caras”, a “TV Mais” e as demais publicações do grupo (17 publicações). Os trabalhadores fizeram um apelo público «a toda a sociedade, aos anunciantes e a potenciais investidores que ajudem a manter os títulos jornalísticos» do grupo e pedem «o pagamento da totalidade dos salários e subsídios em atraso (alguns salários de setembro, salários de outubro, salários de novembro, subsídios de férias e Natal, cinco subsídios de alimentação e outras remunerações)». Infelizmente, entretanto, o Processo Especial de Revitalização foi reprovado. E estas publicações poderão acabar no final do ano…
É neste contexto que estamos todos. Os grandes e os pequenos jornais como O INTERIOR que, com mérito, esforço, imaginação e muito trabalho, resiste – vive da publicidade, e somos gratos a todos os anunciantes que connosco colaboram, das vendas (cujo preço a partir de janeiro teremos de atualizar para 1 euro) e das assinaturas (vamos manter o preço da assinatura anual em 2025, pois sabemos o esforço que os nossos assinantes já fazem).
Há quem pense que a imprensa não é importante… e por isso não compra jornais. E há quem, como escreveu Bárbara Reis, tendo um salário médio ou um bom salário acha caro pagar 1 euro por semana para comprar um jornal ou 10 cêntimos por dia para pagar uma assinatura. E mesmo os que pensam que o jornalismo é importante e que vale a pena pagar 10 cêntimos por dia fazem cópias de notícias, reportagens, opiniões e críticas e enviam-nas aos amigos por email ou para os seus telegrupos, sem pensar que de cada vez que o fazem, espetam um prego no caixão do jornal ou da revista de que gostam, como se o trabalho do profissional não valesse nada. «Sem compradores, em banca ou assinantes digitais, os jornais morrem. É simples».

Boas Festas

Sobre o autor

Luís Baptista-Martins

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