A Guarda presente e futuro

Escrito por Adelaide Campos

Nasci no século passado na Guarda, cidade austera, de hábitos rígidos, orgulhosa do seu desenvolvimento e riqueza, da sua estrutura urbana, da sua indústria, das suas famílias e do seu passado.
Estudei na Guarda, onde os estudantes podiam usar capa e batina como na academia de Coimbra: assim era na altura a sua importância. Aqui fizeram a sua formação inicial e daqui partiram dezenas de promissores futuros quadros superiores do pais.
Apesar da noite de escuridão da ditadura, havia um certo clima de prosperidade que resultava de várias vertentes de produção, entre elas as fábricas multinacionais RENAULT e FEMSA, que representavam um bom acréscimo na qualidade de vida na cidade, as suas fábricas têxteis e posteriormente também de confecções, as de transformação de produtos lácteos.
Havia várias instituições públicas de relevo: tribunais de várias as valências, o Banco de Portugal, o Montepio Egitaniense, a Junta Autónoma de Estradas e outras. Havia a hoje chamada ferrovia, com as linhas da Beira Alta e da Beira Baixa para ligação a todo o pais e à Europa, nomeadamente a França, através do Sud-Express, havia o Regimento de Infantaria 12, o Sanatório Sousa Martins e o Hospital da Misericórdia.
Depois, atravessei os tempos das lutas pela democracia, o 25 de Abril, as ruas da revolução de onde emergiu uma cidade mais aberta e livre, apesar das convulsões próprias do crescimento. E a Guarda foi caminhando, sem dar conta que muitos dos seus filhos não regressavam e os outros iam envelhecendo; foi caminhando assistindo ao esvaziamento das suas indústrias e organismos públicos; foi caminhando dizendo mal de si própria (até porque tinha um acento próprio na sua dicção); foi caminhando vendo como principal ambição sair para as grandes cidades, deixar o interior, saltar para o mundo, tendo sido incapaz de apreender o que de bom tem na sua essência e no seu património.
Hoje é uma sombra daquilo que foi: abandonada à sua sorte, sem economia, sem dinâmica social e cultural, carente de escolas, mas acima de tudo carente de pessoas.
Esta não é, nem pretende ser, uma análise sociológica ou de outra índole acerca da nossa cidade; é tão-só um estado de alma de quem sempre amou a sua terra.
E para o futuro?
Para cada um dos factos existem milhares de possibilidades de análise e perspetiva; basta que existam duas pessoas. Daí ser tão difícil por vezes fazer andar o mundo.
Sou uma otimista inveterada e assim, apesar de tudo o que perdemos enquanto cidade e enquanto cultura próprias, temos uma oportunidade de melhorar, de crescer.
A Guarda tem uma situação geográfica excelente, a pouco mais de 30 quilómetros de Espanha e ligada por duas autoestradas ao litoral e à Europa. Tem duas vias férreas (uma delas em remodelação).
As estradas e as linhas de caminho-de-ferro que levaram para o exterior milhares de portugueses, o nosso bem mais valioso, podem e devem transformar-se no caminho inverso.
A Guarda pode reprogramar o seu futuro e só pode fazê-lo se apostar em si própria, se gostar de si própria e se conseguir ver o valor da sua diferença.
O seu clima e o seu ar – o ar da Guarda – que pode de novo ter um inestimável valor num mundo afogado em poluição e ruido.
O seu património arquitetónico que está profundamente desprezado em cada rua, em cada monumento, desde a Judiaria, à Sé, da Praça Velha à Torre de Menagem e à dos Ferreiros.
A sua situação geográfica como entreposto entre Portugal e a Europa e o mundo.
O seu potencial em produção de qualidade: o azeite, o vinho de altitude, a produção biológica de frutas, carne, leite, mel, etc.
Para isso é preciso muito trabalho
Resta saber se haverá gente com vontade e ambição suficientes para pensar e traçar o futuro; sem pessoas não há futuro para a cidade

* Médica e vereadora do PS na Câmara Municipal da Guarda

 

Sobre o autor

Adelaide Campos

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