Há muitos portugueses que pensam como André Ventura. Muito mais gente do que julgaríamos acha que os emigrantes deveriam ser mandados para a sua terra, que se devia acabar com o Rendimento Social de Inserção, que há deputados a mais, que os pedófilos deviam ser castrados (ou condenados à morte) e que o lugar dos ciganos é em guetos ou na cadeia. Esses portugueses pensam também que deve ser outra vez instituída a pena de morte, ou pelo menos a prisão perpétua, que os incendiários deviam ser atados a um pinheiro a arder, que os políticos são todos uns corruptos e, já agora, que o aquecimento global e a pandemia não passam de invenções da esquerda.
É interessante verificar que muita dessa gente votou até agora no PSD, embora enquanto mal menor. Conheci muitos que o faziam, embora se queixassem que o Partido Social Democrata não era «suficientemente fascista». Ansiavam por um homem forte, que pusesse ordem «nisto», e julgaram encontrá-lo em Cavaco Silva, mas apenas conseguiram com ele, e com os outros presidentes do PSD, colocar um travão ao avanço da esquerda. É precisamente aqui que está o problema para eles: a esquerda é o mal absoluto e vale tudo para a travar. É na esquerda, dizem, que nascem os subsídios para quem não trabalha nem deixa trabalhar, que se inventam problemas e direitos que prejudicam as empresas, que se protegem os emigrantes, os ciganos e todos aqueles que tiram aos verdadeiros portugueses aquilo que é direito exclusivo destes. E nem falemos da perda das colónias.
O que André Ventura fez foi apenas dizer a essas pessoas que não precisavam de continuar a votar no PSD, que agora tinham um partido que acolhia as suas ideias. Admira que não tivesse aparecido ainda um partido como o Chega, tão grande era a sua base potencial de apoio. As tentativas anteriores tinham como destinatários os retornados das ex-colónias e os saudosistas do antigo regime, mas deparavam-se com a enorme desvantagem da memória dos que ainda se lembravam da crassa miséria de antigamente e de como estávamos muito melhor em democracia. O Chega não se limita a essa memória e agarra em mensagens concretas e simples, mesmo que erradas: os pretos, os ciganos, a suposta tolerância dos partidos tradicionais perante a criminalidade em geral e, em especial, a corrupção e a pedofilia. Com isto ganha uma aparência de lutador contra o mal, de paladino das causas boas, nas quais os outros não tocam ou não fazem o suficiente.
É evidente que não precisamos do Chega para combater a corrupção ou a pedofilia, é evidente ainda que é necessário haver RSI para os excluídos da sociedade e que precisamos de todos para construir um país melhor: precisamos dos ciganos, dos negros, dos emigrantes. É evidente também que a criminalidade não é o maior problema do país, nem sequer a corrupção.
Entretanto, o PSD, que deveria saber melhor, acaba de validar o pior que há no Chega e de dizer a muitos dos seus votantes que há agora um outro partido, legitimado por si, que talvez defenda melhor os seus interesses. Esta aliança crapulosa e imbecil vai sair muito cara a todos, começando pelo próprio PSD.