Quando, inteligentemente, muitas cidades andavam já às voltas com as soluções de planeamento e mobilidade urbana adequados à melhor sustentabilidade e progresso, por cá, preocupávamo-nos com ornamentos nas rotundas, a “requalificação” da Rua do Comércio e a construção de anexos nos quintais dos solares.
Pois bem, apesar de tudo, alegremo-nos. Depois dos estacionamentos e ciclovias-mas-só-para-desporto, parece que é chegada a hora da moda dos museus. Desde logo a da hipótese, muito contagiante entre certas camadas da população guardense, de as ruínas daquela que, nos seus tempos áureos, poderá ter-se assemelhado à casa de chocolate dar lugar a um estacionamento ou vir a albergar uma coleção de que ainda nem sequer somos donos ou fiéis depositários. Caso para pensar: pior do que não haver artefactos ou obras artísticas que exibir, só mesmo a persistente ausência de política urbana. Desta feita, revelada pela necessidade de se fazer uma consulta pública sobre o destino a dar aos escombros escondidos à frente da porta principal da Sé. Consulta que não sendo vinculativa, podendo nem sequer dar qualquer ideia que se veja ao executivo, poderá muito bem servir apenas para legitimar outro atentado urbanístico.
Tivesse a nossa Câmara Municipal qualquer noção sobre que modelo de desenvolvimento urbano que queria impulsionar e já as máquinas operariam em lugares mais esperançosos. Assim, entre o recreio das retroescavadoras, a prolongar-se lá para os lados da Alameda de Santo André, e o casario vazio, a amontoar-se pelas ruas velhas enquanto a mobilidade afasta o das ruas novas, a única coisa que se vislumbra é um novo período de letargia. Depois, ninguém estranhará quando um qualquer turista, cansado de tanto subir para lado nenhum, confunda as Torres e pouco ou nada frua da paisagem ou da cidade onde os cafés e restaurantes, pela escassez de clientes, permanecem fechados aos domingos e feriados, desista da visita entre rotundas. Tal como já ninguém se admira que os estudantes raramente se aventurem além da meia encosta, os trabalhadores além do percurso casa/trabalho, que doam as pernas aos que preferem ficar-se pelo próprio bairro e os braços aos que têm que carregar as compras ladeira acima, ladeira abaixo. No fim, cansados de tanto subir e descer as ruas cada vez mais desanimadas, muitos hão de preferir abalar, mas os muito otimistas dirão que é pela falta de médicos, enfermeiros e condições hospitalares, os meio otimistas por causa de o Hotel Turismo estar fechado e os pessimistas por o governo da nação não nos ligar nenhuma. Por sua vez, os mais ou menos realistas acharão que é só porque as escolas, os serviços, os jardins e o mercado ficam cada vez mais longe de quem os usa e de quem os quer usar.
Nesta cidade, onde é cada vez mais difícil situar o “centro” no cimo, baixo ou meio, em vez de se debater o sítio onde se deseja que o mesmo seja, debate-se o destino a dar às ruínas. Mas, pronto, melhor do que não haver nada para fazer, só mesmo o não fazer nada.
A casa da Legião
“Tivesse a nossa Câmara Municipal qualquer noção sobre que modelo de desenvolvimento urbano que queria impulsionar e já as máquinas operariam em lugares mais esperançosos.”