Alqueva, palavra de origem árabe que significa terra deserta, é o nome da aldeia mais próxima da barragem, é o maior lago artificial da Europa e foi sonhada para evitar, precisamente, a desertificação que ameaça o Alentejo, Portugal e a Península Ibérica.
20 anos depois, o Alqueva mudou a paisagem alentejana, promoveu o desenvolvimento agrícola intensiva e ultra-intensiva, nomeadamente de olival, e transformou radicalmente a paisagem. Entre muitos defeitos que tantos identificaram, interessa-me aqui essencialmente olhar para o que de positivo e marcante representa o Alqueva: o maior reservatório de água da Península Ibérica e um dos maiores da Europa. Ou antes, a maior albufeira e reserva de água de Portugal, que garante água a mais de 200 mil pessoas de 13 concelhos alentejanos, onde antes, todos os anos, no Verão, a água era cortada e as torneiras não corriam hoje jorram sem-cessar. Hoje o país é autossuficiente em azeite graças à barragem e ao excesso de olival, de mão de obra “importada” e maltratada, de perda de identidade e de um impacto ambiental evidente pela sobrexploração do solo. Mas não tenhamos dúvidas, o sonho de décadas está a ser cumprido, não pelas hortas à volta da barragem, mas pela reserva de água numa região árida e num país onde a seca é sempre uma visão assustadora que só os mais atentos vão vislumbrando.
“Construam-me, porra” foi um grito do povo alentejano que em 1994 pintou a expressão contra o mito do adiamento do maior projeto hidrográfico português, de um povo farto de esperar. Que queria ter futuro. Que acreditava no desenvolvimento com a barragem. Que queria simplesmente ter água. A barragem chegou tarde, muito tarde. Tanto que não permitiu estancar a regressão demográfica e dar oportunidade aos mais jovens de ficar. O sucesso do Alqueva está agora ligado aos grandes projetos agrícolas, ao turismo e à existência de água… também à mudança de paradigma de um país que convive mal com o progresso e esconde a pobreza por entre um suposto interesse de cultura e tradição, de não mexer para não estragar, do “antigamente é que era bom”, de manter o antigo, de contrariar o progresso…
Numa semana em que a chuva pode “regressar”, em que a enorme preocupação com a falta de água por todo o país pode ser aliviada, devemos olhar para as barragens, para as albufeiras, como determinantes para o futuro do país.
No Alqueva houve a coragem de sonhar e construir uma albufeira que se estende por 80 quilómetros, que poderia regar o país inteiro durante um ano, numa região tradicionalmente condenada à escassez de água. No resto do país não se percebe a falta de audácia para reservar mais água e garantir o abastecimento a todo o território.
Não se percebe porque motivo o governo decidiu não construir a barragem de Girabolhos (concelho de Seia), fundamental para gestão do Rio Mondego, que permitiria uma enorme riqueza hidrográfica – agrícola, turística e elétrica. Não se compreende a falta de aposta em pequenas barragens nos nossos ribeiros e rios; a falta de aproveitamento agrícola e de distribuição de água da barragem do Sabugal (cuja água segue especialmente para o regadio da Cova da Beira através de um túnel que permite encher a barragem de Meimoa e garantir o regadio a Sul, sem benefícios para o próprio concelho do Sabugal…); ou a dinamização agrícola do distrito da Guarda desenvolvendo os projetos hidroagrícolas, em especial a implementação do regadio no concelho da Guarda (para quando a construção da barragem do Luzelo, Marmeleiro?).
Como percebemos nos últimos dias, por todo o país, com a descida dos leitos dos rios, das barragens e albufeiras, quando não há água ficamos em pânico. Por isso é urgente um plano de armazenamento de água que permita em todo o território a sua reserva e armazenamento. Porque sem água não há futuro. Sem água não há vida.
A água é vida
“Não se percebe porque motivo o governo decidiu não construir a barragem de Girabolhos (concelho de Seia)”