Fazer a festa e lamber feridas

Escrito por António Ferreira

“O truque da promessa de baixar impostos, copiado por Rui Rio de Durão Barroso e de Passos Coelho, desta vez não funcionou.”

Primeiro as feridas. O PCP e o Bloco tiveram o que mereciam. Quando chumbaram o Orçamento para 2022 era impossível não recordar o PEC IV, chumbado por ambos a Sócrates em 2011. O PEC IV era mau, mas os anos Passos Coelho não foram melhores e tiveram como consequência milhares de insolvências, centenas de milhares de desempregados e a fuga de centenas de milhares de jovens qualificados para o estrangeiro. Quando acabou foi um alívio, mas ainda lembro aquele momento inicial: Passos Coelho a recusar o PEC IV e oferecendo em alternativa um futuro radioso de impostos baixos e cortes nas “gorduras do Estado”, que o eleitorado engoliu sem hesitar, e a esquerda a votar ao lado dele para depois receber um catastrófico (e mais que previsível) aumento de impostos e a perda de direitos sociais que a “troika” exigiu.
Pouco mais de dez anos depois repetiu-se a manobra: o PSD a propor baixar os impostos e a esquerda a exigir direitos que a economia não consegue, nem conseguirá garantir tão cedo. Imagino o que resta da nossa indústria têxtil, ou a restauração, ambos ainda a querer sair da crise provocada pela pandemia, a terem de suportar aumentos salariais e de custos com a Segurança Social superiores a 100 euros por trabalhador e por mês — mais subsídio de férias e de Natal. Ou de novo o bloqueio dos despedimentos em empresas que precisam urgentemente de se redimensionar, ainda por cima num país em que a taxa de desemprego tem vindo a baixar drasticamente.
O truque da promessa de baixar impostos, copiado por Rui Rio de Durão Barroso e de Passos Coelho, desta vez não funcionou. Não havia agora o pântano de Guterres nem o cheiro de final de regime de Sócrates. Havia a avaliação da governação de António Costa e ele não ficava tão mal assim na fotografia: contas certas, boa gestão da pandemia, desemprego em baixa. A oposição tinha a seu favor meia dúzia de casos sem grande peso e pouco mais. Era por isso previsível que Costa voltasse a ganhar, sobretudo quando o eleitorado não via ser-lhe oferecido em troca nada de substancial ou credível. Por isso Rui Rio voltou a perder.
Iniciativa Liberal e Chega ganharam peso eleitoral e deputados, mas as vitórias de ambos são diferentes. O Chega tem uma margem de crescimento que pode chegar aos valores que os partidos de extrema-direita mostram em Itália, Espanha, França ou Alemanha, mas nada mais. O discurso sobre ciganos, pena de morte ou castração química tem o mesmo valor que a taxa de criminalidade ou o peso da comunidade cigana nas preocupações dos portugueses. Num dos países mais seguros do mundo, ou em que o RSI é aplicado a apenas 200.000 pessoas (e está a baixar), as propostas mesquinhas e retrógradas do Chega interessam apenas à inevitável percentagem de grunhos que qualquer país tem. Estão ali, sabe-se quem são, vão gritar muito mas o regime aguenta bem a sua presença.
A iniciativa Liberal é diferente. É verdade que as propostas “liberais” que tem para a educação ou para a saúde não passam de transferências de recursos do Estado para os privados, ou que a política fiscal proposta não é credível para um país como o nosso, mas o PSD que se cuide.
Costa ganhou mais do que pensava: “Quero a maioria absoluta, afinal não é importante, afinal tenho-a”. Já tem o orçamento para 2022 praticamente feito. Terá de o ajustar às novas circunstâncias, incluindo à mais importante de todas: agora não tem de fazer cedências ao Bloco ou ao PCP e pode expurgar as que fez do orçamento que foi chumbado. Que seja pelo melhor. Esqueci-me do CDS? Sim, e quê?

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António Ferreira

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