P – “Média, Informação e Democracia” é o título do seu novo livro, de que trata?
R – Em abril publiquei um livro intitulado “Teoria da Informação Jornalística” que é, de certo modo, um manual sobre a teoria da informação, a prática jornalística e a crítica cidadã de uma e de outra. Proponho agora aos leitores uma recolha de textos que, inicialmente, quase sempre escrevi em francês e publiquei em revistas de caráter académico de diversos países europeus. São textos que tratam da evolução tecnológica, económica e sociológica dos media na Europa, sobretudo a partir dos anos 1960-70, e das suas repercussões no modo como é concebido o jornalismo e, por conseguinte, a maneira como os leitores, ouvintes, espetadores e internautas são informados e podem assumir o papel de cidadãos numa sociedade democrática.
P- As “fake news” e as redes sociais são uma ameaça à democracia e à informação?
R- As notícias falsas sempre existiram desde o aparecimento da imprensa, no século XV. Involuntariamente falsas, porque quem produzia o jornal não pôde ou não teve o cuidado de verificar os factos, ou mesmo voluntariamente falsas, porque os responsáveis do jornal queriam suscitar um maior interesse por parte de potenciais leitores-compradores. O que há de realmente novo é que assistimos há uma quarentena de anos a uma desmonopolização dos sectores da rádio e da televisão que provocou uma proliferação das informações de que passámos a dispor, o que provocou uma concorrência assanhada entre emissores e numerosas derrapagens no tratamento da informação. E a isto veio acrescentar-se uma mutação radical operada na segunda metade dos anos 1990 com o aparecimento da internet grande público: os que eram até então simples recetores (leitores, ouvintes ou espectadores) têm agora a possibilidade de ser igualmente emissores. Os jornalistas perderam assim o estatuto privilegiado que tinham, toda e qualquer mensagem (com as origens mais diversas e desprovidas dos mais elementares requisitos jornalísticos) passando agora a invadir computadores, tabletes e telemóveis. É um descontrolo tal que levou os mais diversos meios a quererem tirar partido da possibilidade de instrumentalizar os cidadãos com os fins pouco confessáveis: políticos, comerciais…
P- O mundo dos media está em mudança, quais são os grandes desafios?
R- São sobretudo de duas ordens. O primeiro: garantir a afirmação e a sobrevivência de um pluralismo dos media de informação (no sentido jornalístico forte), indispensáveis ao bom funcionamento da democracia, como contrapoderes dos poderes económico, político, social ou cultural instituídos e dominantes. O segundo: garantir a proteção dos cidadãos na sua vida privada, na sua honra e na sua liberdade de movimentos, e garantir também a proteção das instituições fundamentais das nossas sociedades democráticas.
P- Considera que os jornais em papel têm os dias contados?
R- Não penso! Repare: o livro não desapareceu quando apareceram os jornais periódicos, e estes não despareceram com a rádio, nem o cinema ou a rádio com a televisão. Os suportes tecnológicos de cada um deles foi evoluindo, provocando uma evolução dos aspetos formais de cada um, assim como da maneira de conceber os conteúdos. É verdade que evitando o papel, a impressão e a distribuição, operações bastante custosas, as versões digitais ou em linha apresentam por outro lado a vantagem do imediatismo possível da transmissão à escala mundial. Mas repare, para dar um exemplo colateral: os leitores continuam largamente a preferir as edições em papel dos livros e não as edições digitais. De qualquer modo, o que é importante é a sobrevivência dos jornais de jornalistas e pouco importa, no fim de contas, o suporte em que são realizados e o modo como chegam aos leitores.
P- Que futuro antevê para os media regionais, num mundo de novos paradigmas comunicacionais?
R- De certa maneira, os media regionais e locais têm potencialmente melhores perspetivas de futuro do que os nacionais, estando estes cada vez mais confrontados à concorrência de media de países vizinhos ou que fazem parte da mesma área cultural. Os media regionais e locais falam do “nosso cantinho”: de pessoas, sítios e situações que cruzamos no dia a dia e conhecemos bem.
P- Sempre se dedicou ao estudo da comunicação, porquê?
R- Olhe, porque tenho recordações precisas de jornais que, nos tempos de escola primária, ia buscar à “loja do senhor Joaquim Inácio”. Porque aos 10 anos fazia jornais em casa. Porque durante a minha adolescência seduzia-me ouvir rádios estrangeiras em onda curta (Radio Intercontinental, Radio Andorra, Radio Monte-Carlo,…). Porque aos 15 anos passei a escrever no mensário “Mensagem” e aos 17 nos semanários “Jornal do Fundão”, “Beira Baixa”, “Gazeta do Sul”, “Gazeta de Coimbra”) e no bissemanário “Notícias da Covilhã”. Porque fui para Bruxelas aos 20 anos estudar jornalismo (estudos que não existiam em Portugal). Porque, dos 29 alunos no último ano de licenciatura na Université Libre de Bruxelles, fui um dos três que acabaram com “grande distinção” (e o único estrangeiro a obter tal classificação). Porque vim a ser investigador, assistente e professor nesta área durante 41 anos na mesma universidade, continuando a escrever regularmente em jornais e revistas belgas e portuguesas. Porque gosto de procurar fazer compreender aos outros aquilo que eu próprio penso ter conseguido compreender sobre a sociedade e o mundo em que vivemos. Se quiser, chame a isso um enamoramento!…
Perfil de J. M. Nobre Correia:
Autor do livro “Média, Informação e Democracia”
Idade: 72 anos
Profissão: Professor universitário emérito
Currículo: Viveu mais de 45 anos em Bruxelas onde foi estudante, investigador, assistente e professor; Professor nas universidades de Bruxelas, Paris II e Coimbra; Colaborador regular de revistas e jornais portugueses, belgas, franceses, italianos e espanhóis.
Naturalidade: Fundão
Livro preferido: “Don Quijote de la Mancha”, de Miguel de Cervantes, e “El Amor en los tempos del cólera”, de Gabriel García Márquez, entre outros
Filme preferido: “Il Gattopardo” (O Leopardo), de Luchino Visconti.
Hobbies: Leitura, música e cinema