P – De que forma a pandemia afetou o seu negócio na área do turismo?
R – Afetou drasticamente duas das nossas áreas de negócio, a animação turística, que, por norma, anualmente, através dos grupos pré-contratualizados, significava um valor relevante, na ordem dos milhares de euros, e que passou a ser zero em 2020. Na área dos eventos não houve qualquer tipo de receita. No alojamento, em meados de abril receámos que o ano seria catastrófico, uma vez que o nosso mercado é essencialmente estrangeiro e o cancelamento de voos era uma realidade. De um momento para o outro o nosso calendário de reservas passou de reservado a disponível. Tivemos que nos focar no mercado nacional, delineámos uma estratégia de comunicação com foco no turista português e acabámos por salvar a época de Verão. Mas, no geral, foi um ano muito difícil em termos económicos que nos obrigou a cautelas redobradas.
P – No Verão houve um crescimento da procura do interior por parte dos turistas. Também sentiu esse aumento?
R – A pandemia foi positiva para o mercado turístico de interior. Houve a necessidade das pessoas se afastarem dos mercados tradicionais de sol e praia, por questões de segurança, de conforto e liberdade. Há muitos anos que refiro que o interior deve ser um ex-libris para as férias e pausas de quem mora nos grandes centros. Acho que o turismo é uma oportunidade latente. Contudo, poderia ser um número mais elevado de turistas, pena é que a estratégia do interior seja ainda, em muitos casos, débil e desajustada. No futuro, se os fluxos aumentarem, é preciso contemplar as regras da sustentabilidade turística, nomeadamente a capacidade de carga. Cometeram-se erros no passado que, parece-me, não serviram de lição nesta área. Há todo um sistema que é preciso rever. Por exemplo, na atribuição de fundos europeus continuamos a ver os grupos de ação local a decidir sobre projetos sem que seja tida em conta, na maior parte dos casos, a opinião de técnicos superiores de turismo para filtrar projetos de real interesse para os territórios. Temos que pensar em turismo de forma profissional para que a atividade seja um “input” importante para a região.
P – Acha que essa procura vai repetir-se nos próximos tempos?
R – Para isso acontecer tem que haver um foco sério na área do turismo, que se defina para lá do alojamento. É importante que as organizações, em especial as autarquias e comunidades intermunicipais, definam estratégias a longo prazo para os seus territórios e que assumam esta área como verdadeiro polo de atração. Não podemos continuar a viver de eventos e festas, ou a replicar os outros territórios. Hoje, é imperioso que se criem produtos turísticos a partir da interpretação dos nossos territórios. Só assim podemos ser únicos, diferentes e competitivos. E nos nossos territórios não falta unicidade e diferenciação. Colocar tapetes de Arraiolos em alojamentos do distrito da Guarda não faz qualquer sentido. Também a estratégia de comunicação e marketing está muito aquém do que o território precisa, pois não há um foco claro na diversidade.
P – O que falhou neste Verão para a região não ter tirado maior partido dessa procura?
R – Pouco falhou, a pandemia trouxe uma nova realidade, que foi positiva para o turismo. O turismo de massas não é exemplo do comprometimento com os territórios. A sustentabilidade turística deve ser a regra. Temos é que ser capazes de aumentar a atividade turística, pois uma boa parte do país já sabe da nossa existência. Não nos podemos dar ao luxo, como aconteceu nalgumas localidades, de fechar a restauração às 21 horas ou não haver museus e outros espaços municipais disponíveis para visitação. O turismo é uma atividade territorializante, do alojamento à restauração, ao comercio local, à farmácia etc., e geradora de fluxos que se traduzem em riqueza.
P – Como empresário, que lições tirou desta pandemia?
R – Estar preparado para se inverter a estratégia num curto espaço temporal e adaptá-la às circunstâncias foi essencial. A atividade turística já nos provou, por motivos adversos, a sua volatilidade, nada é totalmente novo. Desta vez foi a pandemia, mas já foi um vulcão que impediu os voos ou a greve de uma companhia aérea. O turismo é a minha formação académica de base e permite-me perceber com maior facilidade as dificuldades que possam surgir. Infelizmente, no global, não existe formação na área e a falta de conhecimento gera dificuldades acrescidas. Deveria haver um esforço para se transmitir esta área de conhecimento a todos os “players”, até porque adivinho as grandes dificuldades que estão a passar e que podiam ser atenuadas através do conhecimento. Contudo, na maior parte das autarquias ainda não há técnicos superiores de turismo.
P – Desenvolve a sua atividade em territórios de baixa densidade e com despovoamento crescente, até que ponto as contrariedades impedem o desenvolvimento da atividade empresarial no turismo?
R – Sou um fã incondicional do interior e da área do turismo. O interior só tem a ganhar com o turismo, pois não o vejo a desenvolver-se nos próximos anos muito para lá da atividade turística. No interior temos não um diamante em bruto, mas uma mina cheia deles. O que me aborrece como empresário é que as instituições públicas que nos deviam impulsionar têm por norma visões restritas e pouco dinâmicas, sendo mesmo em muitas ocasiões verdadeiras forças de bloqueio. Recentemente, senti a necessidade de manter negócios que já atravessaram gerações e regressei a um local que me é querido e representa as minhas raízes. Mantive o negócio de família, contratei pessoal e ainda acrescentei a operação de outros negócios já existentes da área do turismo. Hoje, a partir de Vila Franca das Naves registam-se reservas de alojamento, definem-se estratégias turísticas, criam-se estudos prévios para se perceber a viabilidade de projetos e ainda se trabalha o negócio que vem de família. É o meu contributo para ajudar a desenvolver a economia local, o desenvolvimento da vila e até da região. Estamos a desenvolver ainda um novo projeto de alojamento de turismo rural na zona que gostaria que abrisse portas antes do final deste ano. Mantemos sempre uma postura construtiva, e acreditamos no futuro. Se assim não fosse, em plena crise económica não nascia a Activeway Turismo e Nutrição Lda., não se criavam alojamentos em momentos difíceis, como a Casa da Cerca, mo Algarve, ou nascia uma nova área de negócio, a Activeway Consulting.
Perfil:
Filipe André Ferreira,
Empresário fundador da Activeway Turismo e Nutrição Lda
Idade: 39 anos
Naturalidade: Guarda
Profissão: Funcionário público
Formação: Licenciado em Turismo
Livro preferido: Vários, mas destaco a “A Lã e a Neve”, de Ferreira de Castro
Filme preferido: “A teoria de tudo”, como símbolo da perseverança
Hobbies: Viajar, ler e desporto