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Vergonha

Afinal, Cavaco Silva pagou a Sisa na polémica troca de casas de férias no Algarve. A casa que comprou não estava ainda avaliada pelo que, nos termos legais, as Finanças procederam a uma avaliação após o negócio de permuta. Esta avaliação foi feita com base na planta, uma vez que a obra não estava concluída, e quando a administração fiscal avaliou a casa nova em mais 82.000,00 euros do que a velha Cavaco pagou “prontamente” os dez por cento de Sisa. O homem aguentou estoicamente até às eleições, que ganhou à primeira volta (embora os mercados financeiros se não tenham nem um pouco entusiasmado com o facto), e veio lavar a sua honra. Vergonha para quem duvidou dele, incapaz que é, deveríamos todos sabê-lo, de enganar ou tentar enganar o fisco.

Peço desculpa mas, embora esmagado pela força dos argumentos do presidente reeleito, tenho algumas perguntas a fazer. Em primeiro lugar, gostaria de saber porque foram as duas casas avaliadas pelo mesmo preço na escritura, se era tão evidente a discrepância de valor entre ambas. Alguém mais desconfiado pensaria que ao apresentarem valores iguais para as duas casas os contraentes estavam a tentar enganar o fisco e que só o não conseguiram porque foram apanhados. Em segundo lugar, gostaria de saber porque foi feita a avaliação da casa adquirida por Cavaco com base num projecto que acabou por não ser o efectivamente construído: este corresponde a uma casa maior e por isso mais valiosa, o que mostra que o apuramento da diferença de valores não foi correcto e beneficia o Cavaco. Isto explica talvez o facto de este não ter reclamado, como podia, da avaliação fiscal – falta de reclamação que mostra reconhecer não ter dado no negócio o valor justo à casa comprada.

Há outra pergunta, mais importante que todas as outras e que grita por uma resposta: se o valor entre as duas casas era tão manifestamente diferente, ao ponto de Cavaco ter pago “prontamente” a Sisa correspondente a essa diferença, deverá então ter pago em dinheiro os oitenta e tal mil euros de diferença entre os valores das casas permutadas. Pois, mas a escritura é omissa em relação a qualquer pagamento: segundo esta, tratou-se de uma troca pura e dura entre duas casas de valor idêntico. Por isso, se Cavaco omitiu esse pagamento na escritura só há uma forma de o salvar (se houve uma entrega de dinheiro não declarada então praticaram-se vários crimes), e é mostrar-se que não houve qualquer pagamento.

Seja, admitamos que Cavaco, pelos seus lindos olhos ou em pagamento de algo que não diz, fez o negócio da sua vida ao trocar uma casa velha por uma nova. É como se fosse com o velho Citroen do congresso do PSD na Figueira da Foz a um stand de automóveis e saísse de lá com um Mercedes novo, sem dar nada em troca. (É claro que, a ter sido assim, deveria ter sido liquidado o imposto sobre doações, mas isso levaria a ainda mais problemas e perguntas.)

E assim chegamos, mais uma vez, ao fulcro da questão: que fez Cavaco para merecer tamanhas benesses de gente ligada ao grupo BPN e que seja tão difícil de explicar?

Por: António Ferreira

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