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Uma vergonha

Pois, Pois

É ou não grave um engenheiro (técnico) assinar um projecto realizado por outro técnico? Colocada assim a questão, a resposta é não. De facto, trata-se, bem ou mal, de uma prática corrente e, de qualquer maneira, quem assina é quem supostamente orienta e supervisiona e, por consequência, é sempre o principal responsável do processo. Muito bem.

É ou não grave que técnicos de uma câmara façam projectos, peçam a um amigo engenheiro que os assine (visto estarem legalmente impedidos de o fazer), e que depois aprovem e fiscalizem os seus próprios projectos? Aqui o caso muda, obviamente, de figura. O que é que diriam se o Pinto da Costa – ou outro dirigente desportivo qualquer – pudesse apitar os jogos da sua própria equipa? Ou que um aluno avaliasse e classificasse os seus próprios trabalhos? Diriam, com certeza, que era uma aberração.

Ao longo dos anos 80, de acordo com uma reportagem do Público, os senhores engenheiros técnicos António Patrício e Fernando Caldeira pediram ao amigo José Sócrates que lhes assinasse projectos por eles elaborados. Estes senhores eram (e são), ao mesmo tempo, funcionários da Câmara da Guarda, ligados à aprovação e fiscalização de obras. Pelos vistos, Joaquim Valente também esteve envolvido nestas actividades, pelo menos entre 1981 e 1982.

Sócrates não sai incólume deste “ataque pessoal e político” – é assim que ele está a tentar reduzir a coisa, para a desvalorizar, claro. Ele sabia quem eram e o que faziam os amigos ou colegas que lhe pediam a assinatura e, mesmo assim, deu-a, e deu-a várias vezes. Faz, por isso, mal em insistir que fez tudo correctamente, até porque este “deslize” pode ser facilmente desculpado pela inexperiência e pela menor exigência da época em que tudo isto se passou. De qualquer maneira, a sua autoridade como primeiro-ministro sai sempre debilitada.

Mas o que eu gostaria mesmo de saber é se os senhores António Patrício e Fernando Caldeira continuaram ou não com estas “práticas” depois dessa época. E se os sucessivos Presidentes da Câmara da Guarda fizeram alguma coisa para acabar com isso. Se não fizeram, tornaram-se moralmente cúmplices de uma fraude. Aliás, foram patéticas as declarações de Abílio Curto, sexta-feira passada a uma rádio, ao dar o dito por não dito e ao contradizer-se com a entrevista que havia dado à Rádio Altitude em Julho de 2007, que desencadeou esta investigação do Público. Este tipo de ambiguidade não ajuda nada; pelo contrário, só alimenta o actual ambiente de impunidade.

Não sei se o que estes senhores fizeram é ou não crime. Sei que é eticamente condenável. Não foi com certeza por acaso que ainda recentemente a câmara de Lisboa despediu vários técnicos por terem precisamente o mesmo tipo de “esquemas”.

Se Joaquim Valente não quer que se levantem suspeições de corrupção sobre a sua administração, tem de esclarecer rapidamente todas estas questões e agir de forma exemplar.

Por: José Carlos Alexandre

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