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Uma Janela sobre a Cidade

Em “Uma Verdade Inconveniente”, Al Gore utiliza a imagem de uma rã que é colocada numa panela de água fria e se deixaria morrer de calor se não fosse salva in extremis para exemplificar a nossa atitude perante problemas que se vão avolumando. Se a água estivesse já a ferver, a rã saltaria logo para fora da panela, impulsionada pelo seu instinto de sobrevivência; como o calor vai aumentando aos poucos, gradualmente, ela vai-se acomodando, acomodando, até que é tarde de mais.

A imagem é feliz e serve tanto para ilustrar a nossa atitude colectiva perante inúmeros problemas e fenómenos, que não só os resultantes do aquecimento global. Por exemplo os decorrentes das mudanças na economia e comércio mundiais com a entrada da China nos trilhos do capitalismo selvagem. Ou com o alargamento da União Europeia aos países de um leste europeu com salários ainda mais baixos que o nosso. Ou ainda com a subida imparável dos preços do petróleo e dos combustíveis. Fizemos como a rã: fomo-nos adaptando pouco a pouco, mesmo sabendo que não iríamos aguentar muito mais. Gasóleo a um euro o litro? “Ainda consigo pagar, e ainda poderia pagar mais qualquer coisa”. As fábricas vão fechando por causa das deslocalizações para a Roménia ou para a China? “Tenho direito a dois anos de subsídio de desemprego, quando acabar logo se vê”. A água está a ficar quente de mais? “Quando não aguentar mais logo se vê”. Lamento dizê-lo, mas não se pode esperar mais, é mesmo agora a altura de “ver”, de se fazer alguma coisa.

Da varanda do escritório vejo quase toda a parte leste da cidade da Guarda, incluindo a zona da estação, o parque industrial, a PLIE, a fábrica da Delphi, os bairros novos. O que poderia ser uma panorâmica espectacular revela fragilidades por todos os lados: os telhados da antiga fábrica da Gartêxtil, entretanto falida, como faliu ao lado a Auto-Germano Morais. Vejo ainda prédios inacabados de alguns empreiteiros falidos. Sobre a fábrica da Delphi, uma preocupação recente: será verdade que se preparam aí centenas de despedimentos? Mais longe, a futura Plataforma Logística aparece como uma espécie de promessa de melhores tempos para a criação de emprego. Pena que as obras, ao menos da minha janela, pareçam não evoluir. Para ser franco, não noto qualquer mudança nos últimos meses.

É tempo de recordar agora o plano estratégico do Concelho, elaborado salvo erro nos anos noventa e que previa como possível via de desenvolvimento o investimento no turismo. Volto a olhar pela janela. Dos antigos pinhais pouco resta. Muitos arderam, vendo-se ainda vestígios, aqui e ali e, se foram substituídos por alguma coisa, foi por descampados feios à espera de uma oportunidade para apanhar o comboio da urbanização. Não há, visível, qualquer esforço para repor a floresta, para dar variedade à ainda existente, para dar um pouco mais de vida e cor à paisagem. Resta o património construído, mas por aí nada de entusiasmante: apenas os mesmos prédios feios e sem graça que desfeiam o pais de norte a sul.

Por isso, espero ver rapidamente da minha janela algo de dramático, algo que inverta este ciclo aparentemente imparável de florestas queimadas, empresas a fechar, urbanizações caóticas. Algo que comece por exemplo com a rápida conclusão das obras do POLIS ou da PLIE e se aproxime de uma estratégia para a região.

SUGESTÕES:

Um livro: A Revolução da Riqueza (Alvin e Heidi Toffler, Actual Editora, 2006). Depois das revoluções agrícola e industrial, a principal fonte de riqueza vai passar a ser o conhecimento. É mesmo preciso que a imaginação chegue ao poder.

Outro (este a evitar): Hannibal: a Origem do Mal (Thomas Harris, casa das letras 2007). Afinal, todo aquele aparato porque lhe comeram a irmã. Este livro não deveria sequer ter chegado ao mercado português.

Por: António Ferreira

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