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Um país a arder

Editorial

O fim do verão ainda vem longe e as temperaturas altas vão continuar elevadas, mas o rescaldo pode começar a ser feito: o flagelo dos incêndios foi devastador como nunca! Ou como sempre. Porque todos os anos é igual. E todos os anos ouvimos dizer que não pode ser, que vamos mudar políticas e hábitos e que no próximo ano não iremos permitir a destruição da natureza. São muitos anos a ouvir o mesmo; são muitos anos a fazer diagnósticos e inquéritos sobre o que falhou; são muitos anos a dizer que são precisos mais meios, porque os meios nunca chegam; são muitos anos a ver arder o país.

Alguns mitos (nomeadamente os criados pela Proteção Civil e que tanto jeito deram ao governo) foram desmontados pelo “Expresso”: este verão não está a ser mais quente do que outros, nem houve mais incêndios (o dia com mais ignições foi a 15 de outubro de 2011), nem houve mais reacendimentos do que o normal (houve menos), nem houve mais detenções de incendiários. Porém, a área ardida é superior à de anos anteriores (e o período de fogos ainda não terminou). O problema é velho, como é velha a atribuição a mão criminosa – que a há, e dá muito jeito aos responsáveis (governo, proteção civil, autarcas, proprietários,…) que assim não têm de se esforçar muito para procurar responsabilidades, muitas vezes dos próprios (pelo abandono da floresta, da falta de políticas, da inexistência de medidas preventivas, etc).

Depois de arder o Pinhal Interior, o fogo chegou à Serra da Gardunha e à Serra da Estrela. Depois do pânico de Castelo Novo (como é possível?) e de ver a Gardunha a ser assolada pelas chamas, chegou às portas da Covilhã. Foi sobressalto, foi susto, foi assombro, foi medo, foi ver o fogo ali, junto à cidade, foi sentir o braseiro assustador a passar à porta de casa, foi sentir a impotência dos bombeiros no combate aos incêndios que durante semanas aterrorizam as populações, sem dar tréguas. E o fogo subiu Serra acima até às Penhas da Saúde… lavrando pelo Parque Natural da Serra da Estrela.

Aqui não há eucaliptos, nem sequer uma floresta intensa, contínua e inacessível, aqui há mato seco e árvores que ardem rapidamente, porque o fogo já não é combatido, o fogo é esperado junto à estrada, junto às povoações – os incêndios passaram a ser combatidos apenas durante o dia pelos meios aéreos.

Antigamente o fogo era combatido pelas populações e pelos bombeiros nas abertas da floresta, nas zonas de mato menos denso, no rastolho; era abafado e circunscrito entre o campo agrícola e o pinhal; era combatido intensamente, de forma inglória por vezes… Hoje o fogo arde desgovernado; arde até chegarem os aviões; arde porque o comando manda deixar arder até chegar às casas; arde enquanto os bombeiros esperam junto à estrada, junto às povoações…

Enquanto o país continua a arder, o presidente da República e o primeiro-ministro tomam café nas Ramblas e os bombeiros fazem o que podem para travar a besta; enquanto a ministra não assume o desnorte do comando das operações, o país fica refém das chamas e da incompetência; enquanto a Autoridade Nacional de Proteção Civil manda esperar pelo fogo junto às povoações, o campo e a serra ardem como nunca. Ou como sempre.

PS: A introdução de portagens nas ex-SCUT devia ser um dos temas centrais da campanha às autárquicas. Infelizmente o custo altíssimo das portagens está a merecer a indiferença dos nossos políticos.

Luis Baptista-Martins

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