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Um mega ataque à Faculdade de Engenharia da Universidade da Beira Interior e à Beira Interior

O último programa “6ª às 9” da RTP teve como título “Um mega investimento da Portugal Telecom, que pretendia fundar na Covilhã um dos maiores centros de dados do mundo, está às moscas”. Como nos tem habituado, esta edição do programa de Sandra Felgueiras teve o mérito de ser (alguma) informação a sério. No entanto, toda a gente na Covilhã sabe que a versão pública continua a ser a dos diversos interesses e deverão continuar a não se sentirem esclarecidos, podendo até duvidar da veracidade da mais exemplar investigação jornalística.

Por um lado, vemos Zeinal Bava a dizer, na inauguração do Data Center da Covilhã, que o local «foi escolhido aqui, porque aqui estamos perto de uma Universidade que é a Universidade da Beira Interior… Vai criar 1.400 empregos». Mas, por outro lado, o sr. presidente da Câmara da Covilhã refere que são apenas 220 postos de trabalho. De qualquer das maneiras, duzentos sempre seriam melhor do que zero… Se, efetivamente, houvesse um saldo positivo. É que, afinal, ficou a saber-se, que o FEDER iria entrar com 17,3 milhões de euros, que a União Europeia ainda não pagou e que agora vai ser desviado para o QREN. A tudo isto acrescem-se as “contrapartidas”: taxas, licenças e impostos que a Câmara da Covilhã não recebe durante cerca de 40 anos, a afetação de um parque eólico (que subentende-se não ser a PT/Altice a construir), o fornecimento de água para arrefecimento e a compra de um edifício no valor de 300 mil euros.

Ora esta situação continua a ser toda muito estranha. Habitualmente, nos negócios com o Estado ou outras entidades públicas, entendem-se como contrapartidas exatamente o inverso. Isto é, o investidor é que dá ao Estado e aos cidadãos, por troca da facilitação recebida. Mas, aqui, só a Câmara da Covilhã já terá entrado, até à data, com cerca de 1 milhão de euros e ainda faltam os restantes dos 40 anos. Poder-se-ia pensar que as contrapartidas seriam os empregos “altamente especializados”, mas, pela reportagem, também ficámos a saber que, afinal, foram estágios profissionais, portanto, também pagos pelo Estado. Além disso, a formação de recursos humanos altamente qualificados não é da competência das Câmaras Municipais e a sua empregabilidade é um assunto ainda mais complexo, que ultrapassa claramente o âmbito de uma autarquia.

Na realidade, este assunto tem três vertentes, que deveriam ser discutidas separadamente, envolvendo as entidades competentes e as interessadas: a cedência de terrenos e respetivas contrapartidas; os custos contraídos pelo município; a formação e o emprego de recursos humanos altamente qualificados.

Relativamente ao primeiro aspeto, a falta de lógica é tão grande, que, reconhecendo a inteligência dos intervenientes, só é explicável pela ausência de todos os dados relativos ao assunto. Para não substituir os jornalistas de investigação, que certamente irão ainda ter mais algum trabalho neste assunto, irei cingir-me a dar a minha opinião sobre as poucas coisas que sei e conheço.

Na reportagem não foi referida a questão de a UBI ter terrenos que foram ocupados. Contudo, houve uma reunião convocada pelo sr. reitor da UBI de então, na qual participaram quase todos os professores catedráticos e foi discutida a questão da eventual cedência destes terrenos. Foram também apresentadas questões acerca de dois outros terrenos, um dos quais terá desaparecido de uma maneira idêntica à presente, mas que serão irrelevantes no presente contexto. Nesta reunião, a opinião quase unânime foi de que a cedência poderia prejudicar a UBI e, por isso, os terrenos não deviam ser cedidos ou, no limite, teriam de ser negociadas contrapartidas. Por outro lado, quando o assunto foi levado ao Conselho Geral da UBI, não foi aprovada qualquer cedência. Dois dos alunos presentes levantaram a questão de a cedência só poder ser efetuada com autorização da tutela, nos termos do nº1 do Artº78º do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de agosto, que aprova o regime jurídico do património imobiliário público alterado pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 36/2013, de 11 de março, e pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro e, por isso, o assunto não teve qualquer decisão.

Contudo, como os terrenos foram ocupados, pode depreender-se que foram cedidos ou tomados (à margem da legislação em vigor) e, na melhor das hipóteses, se cedidos, terão havido contrapartidas. Contudo, as únicas de que há registo efetivo são uma turma de uma pós-graduação de um ano e o doutoramento honoris causa do engº Zeinal Bava, representando esta última mais uma contrapartida invertida. Na entrevista, o presidente da Câmara da altura declarou que estavam em jogo 7 hectares de terreno que «proporcionavam um desenvolvimento com repercussão no ensino universitário». De fato, tem razão, porque, decisivamente, tiveram uma grande repercussão negativa no ensino universitário. Na verdade, o desenvolvimento da área científica de Ciências Aeroespaciais na Universidade passava não só pela continuação da utilização do aeródromo, como pela existência das instalações do Aero Clube da Covilhã e, ainda, pela deslocação das instalações do Departamento de Ciências Aeroespaciais e Unidade de Investigação para uma zona contígua ao aeródromo, tal como em Cranfield. Este projeto sempre foi escondido, mesmo na UBI, provavelmente, com receio de que os seus autores pudessem pôr em causa a hegemonia de pessoas, temporariamente no poder, mas que pretendiam eternizar-se. De fato, esta visão das Ciências Aeroespaciais da UBI, como líder no país, continua a receber toda a espécie de entraves. Talvez seja pela falta de contrapartidas inversas… Este projeto, que sempre foi boicotado na Covilhã, embora tenha havido tentativas de implementação de alguns indícios do projeto, teriam como resultado cerca de 500 alunos ao fim de 3 anos e ao longo de décadas, cujo resultado para a região teria sido muito mais importante e duradouro do que o Data Center da Altice. Sim. Mesmo em termos de empregos e serviços. Não nos devemos esquecer que, no final dos anos 70, a Covilhã era uma “cidade fantasma” e que só graças à Universidade está na situação atual. Logo, mais alunos significariam desenvolvimento, emprego e atividade económica, de uma maneira geral. A Covilhã a pagar ao litoral é que é uma realidade recente. Continuada a defender por alguns, mas incompreensível para mim. É que a história conta uma coisa diferente. Mesmo o hospital, que há 20 anos ainda estava nas instalações da Serra, só com a ligação à Universidade atingiu o nível atual. E, na verdade, primeiro a UBI e, mais recentemente, o Hospital têm sido os verdadeiros motores do emprego e desenvolvimento na região. Portanto, não partilhando deste sentimento de ingratidão para com a UBI, não posso aceitar que, depois do trabalho que foi feito, venham outros, autoproclamados de promotores da região, tentar recolher os louros do trabalho dos outros. Muito menos se pode aceitar que pessoas sem curriculum na área universitária e muito menos em Ciências Aeroespaciais venham dizer que o negócio com a Altice «proporcionou um desenvolvimento com repercussão no ensino universitário», que «tínhamos uma pista que não era alavanca do desenvolvimento» ou que «a questão da existência do aeródromo na Covilhã não é uma questão fulcral ao desenvolvimento». Isso será uma mera opinião, que difere muito da de “quem é quem” no ensino superior e, em particular, na UBI (poderão encontrar-se “peritos” com interesses e personalidades adaptadas a dizer o que mais lhes convém e não à Beira Interior). Lamento, mas neste assunto, tal como o professor Marcelo faria, eu daria uma nota negativa, muito baixa. Na realidade, o curso de Engenharia Aeronáutica da UBI é o segundo curso de nota mínima de acesso mais elevada, logo a seguir a Medicina. E, representa uma das fatias mais importantes de alunos da UBI, podendo vir até a atingir o primeiro lugar com as políticas universitárias adequadas. Não chegou a este ponto com políticas de curto-prazo e interesses escondidos, que existiram, mas foram sistematicamente derrotados.

Efetivamente, este negócio, alegadamente da Câmara Municipal da Covilhã, mas que agora se queixam, cujos contornos são maioritariamente desconhecidos e que, eventualmente, foi, terá sido ou seria bom para alguém, pelo menos para os seus defensores (supõe-se) ou, provavelmente, não será bom para ninguém devido a falta de competência técnica para atingir os objetivos propostos, representa um prejuízo enorme para a UBI. Consequentemente, será também um prejuízo para toda a região, porque foi a Universidade que realmente a salvou no período crítico do final dos anos 70, início dos anos 80.

Por estas razões, a região e os seus líderes políticos têm de encarar o meio Universitário de uma maneira diferente. As rivalidades existentes e a falta de diálogo com o meio universitário não são habituais em cidades universitárias (e.g. Florença, Itália ou Coimbra, Portugal) e só prejudicam a região.

O segundo aspeto, relativo aos custos contraídos pelos gestores do nosso Município, não me merece qualquer comentário, porque não sou competente nesta matéria. No entanto, já que uma fatia importante da despesa foi com a Altice, como munícipe, interrogo-me se o valor da fatura das Águas da Covilhã e do IMI não seriam mais baixos, ficando, pelo menos, ao nível de Coimbra.

O terceiro e último aspeto, sobre a formação e emprego de recursos humanos altamente qualificados, embora sendo um assunto que me entusiasma particularmente e que se enquadra na minha experiência, mas que, devido à sua complexidade, não poderá ser abordado neste espaço, ficará para uma oportunidade posterior.

Por: Jorge M. M. Barata *

* Professor Catedrático de Ciências Aeroespaciais e diretor do AeroG – Aeronautics and Astronautics Research Center do LAETA (Laboratório Associado em Energia, Transportes e Aeronáutica)

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