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Missas com sotaque castelhano

D. Fernando Alonso, da diocese de Ciudad Rodrigo, é o padre de serviço em três aldeias da raia

Não esconde que foi «um bocadinho complicado» no início, mas dois anos depois do primeiro contacto com os fiéis portugueses, D. Fernando Alonso, padre da diocese de Ciudad Rodrigo, garante estar «perfeitamente adaptado» à realidade deste lado da fronteira. Os fiéis também, habituados que estão ao sotaque castelhano no seu dia-a-dia.

Todas as sextas, sábados e domingos, o pároco percorre os 20 quilómetros que separam Puebla de Azaba da fronteira. Começou na aldeia das Batocas (Sabugal), para dar “uma mãozinha” ao pároco local, «o padre Américo, que não tinha mãos a medir com tantas povoações». Hoje, além desta, ainda diz missa em Escabralhado (às sextas-feiras à tarde) e Aldeia da Dona (sábados). Mas já passou por outras localidades, como a Nave, Rebolosa, Rendo, Aldeia da Ribeira, Alfaiates, Cardeal, Badamalos ou Bismula, porque «as aldeias pequenas também têm direito a celebrar a sua fé», justifica. A fé também não tem língua, «é universal», acrescenta o sacerdote. Apesar de tudo, D. Fernando confessa que há algumas diferenças entre os dois países. Desde logo, porque em Portugal as pessoas são mais religiosas. «Aqui nota-se um maior desejo de eucaristia. Não importa a que horas ou em que dia, os fiéis fazem questão de marcar sempre presença», exemplifica. O pároco atribui esta devoção lusa ao facto das gentes «passarem por mais dificuldades e necessidades, o que as leva a procurar em Deus um elo de confiança e fé».

E não se pense que o sotaque castelhano com que pauta as celebrações intimida os fiéis portugueses. «No início, as pessoas pensavam que eu não as compreendia, mas agora já sabem que é possível chegar a um entendimento, o que até nem é nada complicado», garante. As pessoas vêm falar-lhe, sobretudo, de problemas familiares, pedem conselhos e opiniões. «Problemas com os filhos e entre os casais são bastante comuns», refere. E uma palavra de apoio não falta. «Mesmo que às vezes a solução não esteja nas nossas mãos, escutar as pessoas é, por si só, muito importante», diz. Por terras da raia, a fé assume um papel preponderante na vida das populações e, por isso, o padre tem uma função importante. Em Portugal, D. Fernando ainda não celebrou casamentos. Mas o primeiro já tem data marcada para este Verão, na aldeia de Escabralhado. Baptizados já foram dois e aos funerais já perdeu a conta. Mas, apesar das crenças serem universais, os costumes podem ser diferentes entre os dois países.

Tanto assim que o primeiro «enterramento» (funeral) que fez valeu-lhe um valente susto. É que em Portugal há o hábito de abrir o caixão várias vezes – durante o velório, na missa ou no cemitério, enquanto em Espanha só se abre no velório, que acontece, por norma, nas próprias agências funerárias. «Quando vejo a família a abrir, constantemente, a urna fiquei completamente enrascado, sem saber o que fazer», recorda. Também os casamentos são ligeiramente diferentes, porque, em Espanha, os noivos trocam 13 moedas de prata para simbolizar «a entrega mútua de todas as coisas», explica. Tirando estas diferenças de pormenor, D. Fernando nem estranhou muito a cultura e os costumes portugueses. O pai era natural de Coimbra, embora tenha vivido quase sempre em Espanha. Graças a essa “costela” portuguesa, ou não, a verdade é que o sacerdote não pensa ir embora tão cedo, para júbilo dos fiéis. Quem assiste às missas diz não haver «diferença nenhuma». Bárbara Lourenço, paroquiana de Escabralhado, acrescenta mesmo que ninguém «tem nada a apontar» ao padre. «E se nós temos falta de padres porque não ir buscá-los a Espanha», sugere, considerando que «mais vale termos cá este do que não haver nenhum».

Rosa Ramos

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