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Ser Contemporâneo no Museu Francisco Tavares Proença Júnior

Opinião – Ovo de Colombo

Mário Silva (n. 1930, Coimbra), artista reconhecido internacionalmente, homem da cultura e da política, duas vezes preso pela PIDE e um dos principais intervenientes da Crise Académica de 1962, desistiu do curso de Engenharia e cofundou o Círculo de Artes Plásticas da Academia conimbricense.

De 1986 é a sua série de pinturas do “Cristo Crucificado”, da coleção do Museu Francisco Tavares Proença Júnior (Castelo Branco). Sem caírem na vulgaridade, estes óleos captam um dos momentos mais repetidos em toda a História da Arte.

Várias questões se impõem… Como representar o sentimento religioso que tal cena implica num mundo cada vez mais globalizado, individualizado e descrente, através de plasticidades contemporâneas não-naturalistas/realistas? Como transmitir a dor transcendental de Cristo numa época em que a imagem está irremediavelmente banalizada, depois de já se ter visto de tudo ao longo de um atribulado século XX transmitido em direto e a cores?

Mário Silva responde com a distorção da figura humana/divina e o uso de cores e riscos, ora suaves, ora agressivos, que conseguem transmitir nas suas várias versões, as também variadas emoções inspiradas pela Paixão de Cristo. Lembram a obra do inglês Graham Sutherland (1903-1980) que, depois dos horrores do Holocausto questionarem toda a Fé, tomou a Crucifixão como um dos seus temas prediletos e adaptou-a à contemporaneidade, pintando crucifixos de espinhos revoltos que traduziam, não só o corpo torturado de Cristo, mas também o limite a que a Humanidade havia então chegado.

É também essa “humanidade” que Mário Silva nos apresenta em composições mais complexas e socialmente comprometidas, como “Irracionalidade” (1999), “A Guerra” (1999) ou “Terreiro da Erva” (2001), onde vemos a sua expressividade frontal no amontoado quase caótico dos corpos em nada envergonhados, nas cores generosas e nas pinceladas e traços desafogados, sinceros, espontâneos e vibrantes. É sem dúvida uma pintura que nada esconde e que tudo questiona.

Diana Rafaela Pereira*

*Mestranda de História da Arte Portuguesa na Universidade do Porto

“Cristo Crucificado” “Irracionalidade”

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