Os liberais destravados garantem que a culpa da falta de mobilidade social é das leis laborais. E repetem tantas vezes, que talvez já acreditem. A realidade é que não bate certo com as suas certezas.
Dizem os ideólogos da situação que, apesar de nenhum trabalhador dar por isso, o Código de Trabalho é um travão ao despedimento, e isso, como se está mesmo a ver, é terrível para os trabalhadores. Confirma-se que os slogans do Ministério da Verdade (1984, George Orwell) chegaram aos tempos modernos por via dos liberais destravados: “segurança é desemprego”; “trabalhador é explorador”; “estabilidade é injustiça”.
A extraordinária conclusão terá sido dada por um estudo da OCDE que nos diz o que já sabíamos: que Portugal é, dos membros daquela organização, o país com menor mobilidade social. Isso tem a ver com o nosso atraso? Com uma quase inexistente redistribuição da riqueza? Com uma das desigualdades salariais mais altas dos países desenvolvidos (dos trabalhadores mais mal pagos da Europa e dos gestores mais bem pagos da Europa)? Com uma elite que se perpetua em todos os lugares de poder sem qualquer atenção ao mérito? Com empresas que não inovam nem apostam na formação e no saber? Claro que não. Tem a ver, dizem os nossos liberais de algibeira, com a sobrevivência de alguns trabalhadores “privilegiados” que ainda têm direitos.
Duas coisas não batem certo. Primeira: a indiscutível flexibilização das leis laborais em Portugal, nas últimas décadas, teve um efeito nulo na redução do desemprego e do trabalho precário. Pelo contrário, os dois indicadores têm aumentado. Segunda: a acompanhar os países do Sul da Europa nesta triste condição estão os países anglo-saxónicos, exactamente aqueles que apostaram na receita que os nossos “liberais” defendem. Para quem não saiba: contrariando as ideias feitas, os números mostram que os Estados Unidos e o Reino Unido têm menor mobilidade social do que os países mais avançados da Europa.
É verdade que a lei laboral portuguesa (estando longe da impossibilidade de despedimento tão apregoada) é menos permissiva que as dos países escandinavos. Acontece que a famosa flexigurança, que agora anda na moda, tem duas partes: a da flexibilidade e a da segurança. E a parte da segurança é garantida por um Estado Social forte. Pela presença do Estado na economia, por saúde e educação gratuitas e universais, por uma fortíssima presença do Estado no mercado da habitação, por subsídios públicos para quase todas as necessidades fundamentais dos cidadãos. E isto custa dinheiro. E esse dinheiro vem de impostos altos e de uma política fiscal justa. É a forte presença do Estado nas sociedades do norte da Europa que permite uma maior flexibilidade laboral sem rupturas sociais graves, não é a receita ultra-liberal. É mesmo o oposto dela.
E mais: isto também se consegue através de uma taxa de sindicalização superior a 80 por cento, com negociações laborais centralizadas, em que muito menos é deixado ao arbítrio da empresa, e com formação e reconversão a sério. E, já agora, com disparidades salariais muitíssimo reduzidas. Compram os nossos liberais estas regras? Pois, bem me parecia.
Infelizmente, os escuteiros de Hayek não aprenderam nada com a solução escandinava. Dela querem tirar apenas a lição que mais lhes convém. Querem pouco Estado mas muito risco para os mais fracos, impostos baixos mas leis laborais que deixam os trabalhadores entregues a si próprios, leis excelentes para o empregador e impostos pagos apenas por quem trabalha. Querem, como diz o povo, sol na eira e chuva no nabal. Já foi tentado. O resultado, em países com economias periféricas, é trágico.
Por: Daniel Oliveira