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Se ao Menos Legislassem Bem

É fácil bater no ceguinho. Não é bonito, mas é fácil. Quando há uma grande vontade de bater em alguém, daquelas vontades a que é muito difícil de resistir, há várias centenas de “ceguinhos” disponíveis. Começando no primeiro-ministro e na ministra da Educação e seguindo depois por, um a um, centenas de deputados, há é a dificuldade da escolha. E deixemos por agora de parte autarcas, árbitros de futebol e o Vale e Azevedo. Repito que não é bonito bater no ceguinho, mas tenho de propor uma excepção à regra: é legítimo dar-lhe, e com força, quando se põe a jeito.

As eleições para a Assembleia da República são as mais importantes do nosso calendário. É destas eleições que saem os 230 deputados do parlamento e o primeiro-ministro, depois incumbido pelo Presidente da República, num acto meramente formal, de formar governo. Este, embora com competência legislativa própria, é um órgão executivo, e por isso em teoria executa o que os portugueses lhe ordenam, através dos seus representantes no parlamento. Por isso, cada deputado mais não é do que um mandatário dos que o elegeram e deveria, também teoricamente, agir de acordo com a vontade, pelo menos presumida, dos seus mandantes.

Se estas são as regras básicas, e se aceitarmos que os nossos representantes têm seguido a nossa vontade, deveríamos então envergonhar-nos do que temos andado a fazer por intermédio deles. Faltámos, por seu intermédio, à discussão de algumas das questões mais importantes do nosso tempo, como por exemplo o sistema de avaliação dos professores – actualmente apontado, mal ou bem, como estando na raiz do falhanço do nosso sistema de ensino, estando este falhanço reconhecidamente na origem da nossa baixa produtividade e competitividade. Teríamos estado muito mal se eles nos tivessem representado na sua ausência aos trabalhos, mas não o fizeram.

Neste caso, como em muitos outros, demitiram-se das suas funções. Representaram apenas os seus próprios interesses e não quiseram saber dos nossos. Ficámos todos estarrecidos com o sucedido mas ficaríamos ainda pior se assistíssemos a todas as sessões do parlamento. Os portugueses têm alguma noção da inutilidade da Assembleia da República enquanto órgão legislativo. Sabemos que boa parte da produção legislativa é totalmente elaborada por técnicos e que os deputados nem sequer percebem o seu conteúdo; que estes, na sua esmagadora maioria, se limitam a seguir, quando presentes nas sessões, as indicações dos líderes parlamentares. E sabemos por fim que tudo isto não passa de um dispendioso simulacro daquilo a que, por facilidade de linguagem e por tradição, chamamos democracia.

Por: António Ferreira

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