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Santidades

Corta!

Não tão visceral e incómodo como O Pântano, anterior filme de Lucrecia Martel, o seu novo La Niña Santa – A Rapariga Santa, confirma, no entanto, o seu olhar único sobre o mundo. Quando vemos um homem, logo de início, a colar-se bem junto a jovens que observam artistas de rua, pensamos estar perante algo de banal e normal no cinema. Lá vem mais um filme acerca de um qualquer depravado. Mas para quem tenha visto a sua obra de estreia sabe que Martel não é assim tão óbvia, e neste La Niña Santa rapidamente o predador passa a presa, encurralado por uma jovem que julga poder estar ali a sua missão na Terra. Claro que a religião anda também por aqui, acabando por sair até bastante mal tratada no meio de tudo isto.

Com belíssimas interpretações, excelente fotografia e uma realização que sabe bem para onde quer ir, La Niña Santa foi um dos mais belos filmes do ano passado, mas que acabou por estrear apenas agora, depois de um adiamento, incompreensível, de semanas.

Quem também esteve em riscos de desaparecer do mapa das nossas salas de cinema, foi o pouco santo Pai Natal de Terry Zwigoff. Alcoólico, ex-recluso e viciado em sexo com mulheres de tamanho XL, este homem de barbas brancas não quer sequer ouvir falar de crianças, quanto mais imaginar que elas se sentem ao seu colo. No fundo, mais um dos desalinhados e marginais personagens habituais no universo de Zwigoff, seja em Crumb ou Ghost World – Mundo Fantasma, seus filmes anteriores. Em Bad Santa – O Anti – Pai Natal, de bad* apenas o nome, pois nem o Pai Natal é assim tão mau, como o filme é sensacional.

Num filme onde nada parece, de facto, acontecer, muito há, no entanto, para dizer, mas mais ainda para ver e sentir. São deslumbrantes os silêncios e vazios narrativos nos filmes de Zwigoff, mas em Bad Santa, o realizador consegue ainda ir mais longe que no seu anterior, e fabuloso, Ghost World. Para alguns, este não passará certamente de um falhado banal filme de comédia natalício. Para outros, que consigam ver mais alguma coisa para além das simples acções e diálogos, num filme onde um olhar ou gesto valem mais que mil palavras na maior parte dos filmes que por aí se vêm, Bad Santa é já promessa de companhia em futuros natais que se sigam. E a mais cómica negociação entre ladrões, na divisão de lucros dum futuro assalto, está aqui. 49!

Demasiado mais santo que no original, Jude Law substitui Michael Cane em Alfie, com estranhos resultados. O filme, não sendo lá grande coisa, consegue proporcionar, no espectador, a sensação de um momento bem passado. Num misto de universo visual e narrativo retirado a anúncios publicitários e videoclips, com o seu je ne sais quoi de Sexo e a Cidade, este novo Alfie é a prova de que nem todos os filmes precisam lutar por entrar no restrito clube das obras-primas para se poderem revelar eficazes objectos de entretenimento.

Despretensioso e divertido, Alfie, recuperando a ideia de Sexo e a Cidade, pode ser considerado a versão masculina e solitária dessa série televisiva. Sem querer revelar demasiado, é sempre bom chegar ao fim de um filme e, estranhamente, desejar um final feliz (aqui talvez por culpa da presença da irresistível Marisa Tomei) e tal desejo não nos ser concedido.

* mau

Por: Hugo Sousa

cinecorta@hotmail.com

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