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Sai mais um aumento do IVA para remendar o Titanic

Não sei se Marques Mendes está a dar recados, a criar problemas ao governo ou a atirar barro à parede para ver qual é a reação do País à ideia de aumentar o IVA não apenas o 0,25% já anunciados mas 1%. Sei uma coisa: o governo não conseguiu reduzir a despesa do Estado para os níveis a que se propôs. Veremos se a estalada vem no orçamento de Estado retificativo ou depois.

Muitos comentadores da área do governo (incluindo Marques Mendes) estão chocados por o governo estar sempre a aumentar os impostos ou a tentar reduzir a despesa através do corte em salários e reformas, o que tem efeitos na economia e no agravamento da crise social e que nem sempre é, como se sabe, constitucionalmente possível. Pedem para que corte nas famosas gorduras.

Sim, é verdade que as despesas com a aquisição de bens e serviços, a que, de forma simplista, se chamam gorduras (umas são, outras não), voltaram a aumentar. Na simplificação de Marques Mendes, os ministros foram “pouco poupadinhos”. É justo julgar Passos Coelhos pelos cortes que não fez nas despesas com consumos intermédios. Afinal de contas, foi ele que andou a fazer disto uma bandeira, foi o seu governo que andou a fazer flores para os jornais com medidas simbólicas, como andar em económica nos aviões, e foram os seus ministérios que fizeram cortes em consumíveis em serviços públicos até à completa ineficiência no seu funcionamento. Mas, sejamos honestos: mesmo que este tipo de despesas tivesse sido reduzido substancialmente (e pode ser reduzido sem perda de qualidade dos serviços) dificilmente se cumpriria o défice e ainda mais dificilmente se viriam a cumprir as delirantes metas definidas no Tratado Orçamental.

Não é por acaso que o corte nos custos intermédios, que significam, em geral, cerca de um décimo das despesas do Estado, são apresentados como um milagre para as contas públicas, ignorando-se que tais cortes nunca chegariam para cumprir os objetivos definidos. Se as coisas não fossem apresentadas assim o discurso teria de ser outro: ou se aumentam os impostos ou se corta no salário, nas pensões, no SNS, na Escola Pública, na segurança e em tudo o que são funções do Estado. Ajuda apresentar o conjunto da despesa do Estado como mera despesa da máquina administrativa e dos boys. Mas, mesmo que haja, como há, muito desperdício, não é assim que as coisas são.

E a distinção que tem sido feita entre despesa e receita faz pouco sentido. Um corte no Serviço Nacional de Saúde ou na Escola Pública que traduza numa redução da oferta de serviços públicos aos cidadãos, assim como um aumento das tarifas de transportes ou uma redução das prestações sociais, nos salários ou nas pensões, é o mesmo que um aumento de impostos: reduz o rendimento disponível dos portugueses. A diferença, se existe, é que os seus efeitos se sentem de forma mais injusta e tem efeitos económicos mais profundos.

O que está a acontecer é que a retórica do corte das despesas que Passos Coelho vendeu aos portugueses, e que eles compraram por achar que as despesas do Estado nada tinham a ver com eles próprios e com os serviços que recebem, deixou de funcionar. Três anos depois de chegar ao governo, e mesmo tendo repetidamente aumentado impostos, contrariando a sua principal promessa eleitoral, o primeiro-ministro não consegue ser consequente com a sua promessa: que tudo se resolvia cortando nas despesas do Estado.

Dirão que é incompetência. Não quero parecer que poupo Passos Coelho, mas se fosse incompetência os nossos problemas seriam fáceis de resolver. O problema é que as metas definidas, a que se junta o pagamento de uma dívida onde não se quer tocar, são impossíveis de cumprir sem destruir o País com um razia quase imediata de sete ou oito mil milhões de euros nas despesas do Estado ou um aumento de impostos que rebentaria com a economia. A incompetência de Passos Coelho é acima de tudo política. Ele insiste em ser o melhor aluno de uma péssima lição. E não tendo à mão onde cortar, vê-se obrigado a aumentar impostos.

Quando toca a subir impostos, a vítima mais fácil é sempre o IVA. Porque é mais rápido e seguro: o dinheiro vem logo. E porque se sente de forma menos direta: não vem no recibo do vencimento. Acontece que um aumento do IVA é o mais desastroso para a economia e o mais injusto para as pessoas. Ele afecta todos de igual forma, do rico ao mais miserável.

Há duas escolhas possíveis: continuar a aumentar os impostos, sendo o IVA o de receita quase garantida, e cortar rapidamente milhares de milhões na Escola Pública, no Serviço Nacional de Saúde, nos salários da função pública, nas pensões e em todas as funções essenciais do Estado ou definir metas realistas que salvaguardem a economia, diferentes das que foram impostas pela troika e que estão no Tratado Orçamental. O que implica um embate com Berlim e Bruxelas. Resumir tudo, como fez Marques Mendes, ao facto dos ministros não serem “poupadinhos” é insistir no discurso infantil que ludibriou os portugueses quando elegeram Passos Coelho.

Por: Daniel Oliveira

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