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Retrocesso

Agora Digo Eu

Noutros tempos quando doía a cabeça e o mal-estar se instalava, toda a gente tinha em casa o célebre Melhoral. O tal que não fazia bem nem mal, ou melhor tanto fazia bem como fazia mal. Hoje, o Melhoral quase desapareceu. Deu lugar ao paracetamol, ao analgésico, anti-inflamatório, anti-depressivo, etc. etc.

Também em tempos que já lá vão, Oliveira Salazar, fazia questão de oferecer-nos um país rico, habitado por um povo pobre, que passava mal, nessa santa trilogia do regime que tinha por lema Fado, Fátima e Futebol.

Tal qual como no medicamento, o mundo pulou e avançou, mostrando e demonstrando um desenvolvimento tecnológico sem precedentes, num desajuste intelectual e cultural de quem hoje nos continua a oferecer Fátima, Fado e Futebol, a Lady Gaga, o Berg, os Porquinhos da Ilda, a Beyoncé e mais os Black Eyed Peas.

Os Portugueses continuam a ser os campeões das apostas, nos jogos, nas lotarias e frequentadores de casinos, ao mesmo tempo que percentualmente possuem o maior número de telemóveis de todo o espaço europeu, colocam mais dinheiro em paraísos fiscais, esgotam nas imobiliárias as casas de luxo, fazem aumentar as vendas da Porshe, da Ferrari, Aston Martin, Lamborghini, procuram os melhores destinos turísticos, onde nas Caraíbas, Pacífico e sul da Europa são campeões de permanência, chegando a bater recordes de levantamentos, num só dia, em caixas multibanco. Para além disso, quem entra num qualquer centro comercial da capital portuguesa, depara-se com um cenário do mais puro consumismo, percebendo-se, facilmente, que os hábitos continuam instalados.

E se não se pode comprar Moschino, Victória Secret, Armani, Dolce Gabbana ou comer no Solar dos Presuntos, no Gambrinus, no Belcanto, Gallo d’oro, Bontin ou no Tavares Rico, nada melhor que vestir no “El Corte Chino” ou beber uns copos na tasca da esquina, hábito que se está a tornar num chiquérrimo cliché da empobrecida classe média e, isto sem esquecer que mantemos lugar cimeiro nas benesses aos políticos, banqueiros e gestores, no consumo de álcool, drogas, sinistralidade, assaltos violentos, tuberculose, sida, desemprego, numa segurança social que o não é, e uma saúde que nem tenta ser.

Expliquem lá os 2 milhões de pobres + os 2 milhões de novos pobres, nesse discurso da recém formada coligação “Aliança Portugal” do ex-centrista Paulo Artur, qual primeiro pró europeu, onde encaixa apenas a manhosa propaganda, nessa mais que visível postura do merceeiro, que de lápis atrás da orelha, vai escrevendo numa folha de embrulho o deve e o haver, gabando-se do aumento das exportações, penalizando os pobres e a (quase) extinta classe média (os de sempre), disfarçando ou maquilhando a contribuição dos ricos, gestores e políticos em verdadeiras e bem elaboradas operações da chamada engenharia financeira.

Soares disse um dia existir o direito à indignação. Eu vou mais longe admitindo o direito à revolta, pois nesta miscelânea, em que nos meteram, estou farto de ver os proxenetas da troika a meter o bico nos nossos assuntos, levando daqui tudo, até ao último cêntimo, contando com a conivência e concordância de um governo que não sabe ou não quis negociar a divida, dando apenas algum gozo ouvir o permanente convite de Passos (galanteador) a Seguro (dama recatada) com vista a encenar passos dançantes ao ritmo de Astor Piazzolla ou Carlos Gardel numa cumparsita do “El Criminal Tango” com vista a tramar ainda mais o Zé Povinho.

Neste contraste de todos os contrastes, comparei o meu recibo de vencimento de fevereiro de 2004 com o de fevereiro de 2014. Dez anos passados, no mês dos 28 dias, recebi menos 2 (dois) euros que em 2004… Se Fernando Pessa fosse vivo sempre diria “E esta, hein!”.

Por: Albino Bárbara

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