As consequências do inferno que se viveu no centro de Portugal nos dias 15 e 16 têm de ter resultados a todos os níveis. Se num primeiro momento a dor, o lamento e a desolação tomaram conta de todas as sensações. Depois foi a revolta que se apoderou de todos os portugueses. Revolta pela incapacidade de fazer frente à tragédia; revolta pelo abandono a que os territórios do interior há muito foram votados; revolta pela ineficácia perante a calamidade; revolta pela inércia do Estado; e revolta contra um governo e uma ministra que perante o caos e a tragédia se enredou em trocas de palavras e respostas ignóbeis e inadmissíveis.
Nos dias seguintes à tragédia homenageámos as vítimas dos incêndios (45 mortos) e promovemos a solidariedade para com aqueles que precisam de ajuda (e quando é preciso os portugueses juntam-se todos para ajudar). Como ocorreu em Pedrógão, agora, em Vouzela, Oliveira do Hospital ou Seia, foi a solidariedade dos amigos, dos vizinhos e dos portugueses em geral que chegou a quem precisava. Na ausência do Estado e das instituições, que existem para tomar conta de quem precisa em nome de todos, foi o cidadão anónimo e as autarquias locais que tomaram conta de quem perdeu tudo ou dos que precisam de ajuda para recomeçar. Passada esta fase difícil de sofrimento e angústia, de mágoa e solidariedade, é às entidades competentes que cabe definir prioridades e iniciar com celeridade um processo de recuperação da vida das comunidades que sofreram o flagelo dos fogos.
O governo, depois de uma reação inicial errática e incompetente, ao sexto dia (Conselho de Ministros) definiu com razoável critério um plano de resposta às necessidades imediatas e um pacote de medidas tidas como indispensáveis para definir o futuro das áreas abrangidas. A ministra foi substituída (por mais um amigo de António Costa) depois de muitos erros e completa inépcia para o lugar. António Costa recebeu a maior lição de política da sua vida, mas, mais estranho, recebeu a maior lição de humildade que um governante pode receber. António Costa ficou a saber que governar um país é muito mais do que ter boas contas, cumprir o défice ou devolver rendimentos aos funcionários públicos; governar um país é, acima de tudo, ter sentido de Estado, agir em nome de todos, responder com rapidez às necessidades das pessoas e assegurar a segurança da população – governar um país não é, não pode ser, dizer que estas tragédias podem ocorrer, e podem ocorrer mais vezes!
Posto isto, precisamos com urgência do político experiente e habilidoso António Costa; precisamos da sua audácia, ambição e capacidade de inovar. Agora, é tempo de trabalhar para o futuro.
Cem mortos depois, o Estado tem de assumir o país.
As crises são muitas vezes uma oportunidade. E é essa metamorfose que terá de acontecer: sobre as cinzas de milhares de hectares ardidos, sobre o cheiro a casas queimadas, sobre a amargura de vidas destruídas e sobre tantas mortes lamentadas, terá de nascer uma nova realidade, uma nova política de gestão do território, terá de haver medidas muito mais assertivas e terá de haver opções muito claras na coesão e desenvolvimento regional. Já aqui defendi, em mais de uma ocasião, que devemos exigir um “Plano Marshall” para acabar com a pobreza, atraso e despovoamento do interior, agora, por maioria de razão, e porque o fogo evidenciou não apenas a pobreza do “Portugal profundo” mas essencialmente o quanto as políticas centralizadoras de dezenas de anos fragilizaram o mundo rural, as regiões mais fustigadas merecem um olhar solidário, mas muito mais do que isso, precisam de investimento público e de uma grande energia para se reerguer (entretanto, o Estado português que se financia a taxas negativas, vai ajudar as empresas vítimas dos incêndios com taxas de juro entre os 2,5% e os 4%!). Depois de anos a ouvir, e de forma reiterada, os diferentes governos a “ameaçar” com o “nunca mais” que todos os anos se repetiu nas nossas serras e vales, 2017 foi tragicamente pior, levando a destruição e a morte às nossas aldeias e vilas, É tempo de dizer basta!
Luis Baptista-Martins